Por que o Brasil não cresce?
Dear investors,,
Em nossa última carta, falamos sobre dez crises que o Brasil enfrentou desde o Plano Real e como a bolsa se comportou em cada uma delas. A conclusão desse resumo ecoa o que aprendemos nos 12 anos investindo aqui: o Brasil é um bom lugar para se ganhar dinheiro em bolsa não pela pujança da economia nacional, mas porque a volatilidade dos preços das ações é maior que a de nossa economia e gera oportunidades de investimento excelentes.
Não podemos reclamar dos retornos que tivemos nessa conjuntura, mas, ainda assim, compartilhamos a frustração da maioria dos brasileiros. Um persistente sentimento de potencial desperdiçado. Por que uma nação continental, repleta de recursos naturais e sem grandes problemas geopolíticos não se desenvolve? A comparação com outros países emergentes revela o quanto estamos ficando para trás, especialmente na última década.
Crescimento médio do PIB

Fonte: World Data Bank
As causas diretas são bem conhecidas. Temos um problema profundo de educação. A produtividade brasileira não avança há décadas. Vivemos crises políticas quase constantes. Mas quais são as causas raiz desses males? Por que é que outros países foram capazes de resolver esses problemas e nós não? Sem a pretensão de trazer respostas definitivas, compartilharemos nossa visão.
O problema educacional
As discussões mais superficiais sobre educação no Brasil culpam a falta de recursos. As mais sofisticadas dão maior atenção a métodos de ensino, governança das instituições e boas práticas internacionais. É raro ouvir algo além disso, mas nos parece haver uma terceira camada, mais próxima do cerne da questão e relacionada à cultura brasileira.
Saint-Exupery escreveu “Se quer construir um navio, não reúna sua gente para lhes dar ordens, explicar cada detalhe e onde encontrar cada coisa… Se quer construir um navio, faz nascer no coração de sua gente o desejo pela imensidão do mar”. O desempenho humano depende primeiro da motivação e depois do método. Uma operação com regras e processos bem desenhados, mas pessoas desengajadas, dificilmente será mais do que uma burocracia ineficiente. O primeiro passo para uma educação de qualidade é realmente valorizar e desejar o conhecimento. Parece óbvio, mas não é o que observamos em nosso país.
O brasileiro médio quer o diploma, pois entende que é necessário para pleitear certos cargos, mas se importa menos com o conhecimento real que o diploma deveria certificar. Um fato amplamente conhecido corrobora com a afirmação: a maioria dos alunos brasileiros trapaceia nas provas, a famosa “cola”, tão difundida que nem é mais moralmente condenada. A culpa não é só dos alunos. Em parte, o desprezo pela atividade acadêmica vem da baixa correlação que muitas ementas têm com a vida real. O aluno não vê como as aulas lhe ajudarão a ter sucesso, as interpreta como perda de tempo e acaba criando preconceito contra o estudo de modo geral. Em parte, vem de um mundo em que um influenciador de 15 anos de repente explode nas redes sociais e passa a ganhar múltiplos da remuneração de um médico, advogado ou engenheiro com décadas de experiência, fazendo parecer que seguir as carreiras tradicionais é falta de esperteza. Não há solução simples, mas ao menos dois pontos poderiam ser melhorados em nossa cultura.
O primeiro é abandonar as ambições imaturas de sucesso fácil e rápido, que parecem ter virado o padrão moderno. É fato que existem influenciadores de 15 anos bem-sucedidos, mas a remuneração média de todos os aspirantes a influenciadores de 15 anos é certamente muito inferior à dos médicos, advogados e engenheiros. Da mesma maneira que jogar na loteria semanalmente é um plano ruim para enriquecer, estratégias de carreira baseadas em extremas exceções tendem a dar errado. A ambição madura é o “sonho americano”: a convicção de que qualquer um pode ter sucesso na vida através de determinação, trabalho duro e iniciativa. Estudar e treinar até ser competente em algo útil ainda é um plano sábio.
O segundo é reestabelecer o entendimento de que conhecimento tem utilidade prática e, por isso, é imensamente valioso. A humanidade não busca conhecimento por exigência burocrática ou pompa acadêmica, mas motivada por problemas e ambições de dimensões épicas. Os responsáveis pelos grandes avanços intelectuais são os verdadeiros heróis da raça humana. Todos já ouviram falar de Aristóteles, Isaac Newton e Albert Einstein. Aristóteles viveu há ~2.400 anos. A celebridade da moda, que hoje recebe mais admiração popular, dificilmente será igualmente lembrada daqui a 24 anos. O esplendor intelectual é uma das ambições mais altas na possibilidade humana.
Como mudar é a grande questão. Não nos parece haver truques ou atalhos possíveis. Quem difunde a cultura de uma nação são as personalidades públicas e aqueles em posições de poder na sociedade. O chinês Jack Ma, fundador do Alibabá, faz questão de cultivar sua imagem como a de um professor e é chamado de Ma Laoshi (Professor Ma). O caso ilustra bem o abismo cultural entre China e Brasil, que nos parece contribuir para seus respectivos níveis de sucesso econômico. Se nossas elites se dedicarem mais ao cultivo da erudição, a tendência é que o restante da população venha a reboque.
O problema da eficiência
A estagnação da produtividade é um problema diferente. Aumentar a eficiência econômica é um objetivo claro e perpétuo no mundo empresarial, então a causa não é falta de motivação. Tudo indica que boa parte do problema vem de regras desfuncionais na sociedade brasileira: sistema tributário, judiciário e intervenções múltiplas na economia. No entanto, as soluções teóricas para esses problemas são razoavelmente bem conhecidas. A OCDE, organização internacional que busca melhorar o bem-estar econômico e social no mundo, já conduziu dezenas de pesquisas e divulga relatórios detalhados com uma série de boas práticas de gestão pública. Mesmo assim, aqui muitas dessas sugestões não são implementadas. A razão por trás disso nos parece estar ligada à armadilha do dilema do prisioneiro que se manifesta em escala nacional.
No dilema clássico, dois cúmplices em um crime são presos e pressionados a confessar. Se ambos mantêm silêncio, enfrentam 1 ano de prisão. Se um confessa e outro não, quem confessou fica livre e o outro é preso por 10 anos. Se ambos confessam, enfrentam juntos 5 anos de prisão. A melhor solução teórica seria colaborar e enfrentar 1 ano de cadeia, mas, sob o medo de ser quem leva a pior, ambos acabam confessando e enfrentam os 5 anos. As regras da sociedade brasileira são determinadas sob uma dinâmica semelhante.
Tomando como exemplo o problema fiscal do Brasil, a melhor saída seria, simplesmente, cortar gastos. É o que se faz em casa ou nas empresas quando o dinheiro que entra é insuficiente para pagar as contas. O governo claramente sabe disso e entende perfeitamente a alternativa. Não segue essa rota porque não é isso que a sociedade realmente demanda. Em discurso, a maioria pode até defender cortes de gastos. Na prática, a maioria pressiona o governo para obter vantagens para si, que implicam diretamente em gastos públicos. O cidadão comum quer os benefícios sociais e a isenção do imposto de renda. O empresário quer a alíquota diferenciada para seu setor e subsídios diversos. Em conjunto, essas pressões de grupos de interesse específicos inflam os gastos públicos, distorcem as regras e criam um emaranhado desfuncional. A principal consequência é a má alocação de capital no país.
O princípio do livre mercado considera que o sistema econômico é complexo demais para ser controlado de maneira centralizada e, então, é mais eficiente deixar que a oscilação livre dos preços, formados pelo equilíbrio entre oferta e demanda, gere os incentivos necessários para otimizar o funcionamento das atividades econômicas em geral. As empresas que entregam produtos ou serviços valorizados pela sociedade com eficiência, em comparação com seus concorrentes, serão rentáveis e prosperarão. As ineficientes estarão fadadas à falência. Essa dinâmica é que deveria orientar o melhor uso dos recursos disponíveis no país para que se produza o máximo possível do que é desejado pela sociedade. Quando o governo passa a legislar regras diferentes para cada setor, esse princípio de autorregulagem do mercado deixa de ser válido. Com financiamentos subsidiados e alíquotas diferenciadas, empresas ineficientes podem sobreviver e crescer mais do que negócios eficientes, mas que não recebem nenhuma benesse do governo. E lá se vai o almejado aumento da produtividade nacional.
Essa questão não será resolvida por iniciativa de entidades privadas, pois não há incentivo para alguém abrir mão do lobby primeiro, não há coordenação entre todos para negociar um acordo em que regras isonômicas sejam adotadas simultaneamente e a via de implementação passa necessariamente pelo Congresso. O próprio governo precisa liderar as reformas e o papel do setor privado é avaliar de forma justa o que for proposto e pressionar por isonomia, não por benefícios.
Tivemos a oportunidade de melhorar muito na recente reforma tributária, mas demos um passo mais tímido do que o pretendido. Ao que nos parece, não por culpa dos políticos. A proposta original era excelente, mas foi deformada por pressões de múltiplos grupos e a lei aprovada veio com uma série de regimes especiais, condições diferenciadas e afins. A analogia com o dilema do prisioneiro é clara: ao agir de maneira individualista, todos os setores acabarão se sujeitando a um conjunto de regras pior e terão seu potencial de crescimento de longo prazo comprometido pelo mal desempenho da economia nacional. Para haver saída, é necessário haver boa vontade conjunta dos setores públicos e privados.
O problema político
Aqui elegemos tanto o presidente quanto senadores e deputados, ligados a algum dentre os 29 partidos, por voto direito. Esse arranjo político, chamado de presidencialismo com multipartidarismo fragmentado, é menos comum do que poderíamos imaginar. Os países com regimes semelhantes estão concentrados na América Latina e na África e, mesmo nesse grupo, o Brasil é um caso extremo de fragmentação partidária. Não há nenhum país desenvolvido que adote o mesmo sistema.
É como se tivéssemos uma enorme empresa onde todos os executivos brigam entre si. Governar já é difícil por natureza e esse desalinhamento estrutural entre os políticos envolvidos no governo complica ainda mais a situação. Com tantos partidos atuantes, o do presidente dificilmente tem maioria no Congresso e é necessário fazer acordos com outros partidos para formar uma coalizão e conseguir governar. Mesmo assim, há frequentes impasses entre os Poderes Executivo e Legislativo e quaisquer propostas de grandes mudanças acabam sendo diluídas durante as negociações para aprovação de medidas no Congresso. Para o bem ou para o mal, as mudanças no Brasil são lentas e graduais.
Enquanto isso, a maioria dos países desenvolvidos é parlamentarista, sistema político em que o chefe do Poder Executivo, o Primeiro Ministro, é eleito indiretamente pelos membros do Parlamento (equivalente ao Congresso dos países presidencialistas). O alinhamento entre poderes é garantido, pois o Parlamento pode convocar, a qualquer momento, uma votação para contabilizar novamente o número de votos contra ou a favor ao atual Primeiro Ministro. Se a maioria dos votos for contrária, o Primeiro Ministro abdica e o Parlamento elege um novo ou o Parlamento é dissolvido e novas eleições são convocadas para formar um novo Parlamento. Ou seja, um dos dois poderes é substituído e o alinhamento será restaurado.
Uma alternativa é o presidencialismo bipartidário, em que o melhor exemplo são os Estados Unidos. A existência de apenas dois partidos predominantes simplifica a questão de governabilidade. Ou o presidente tem a maioria no Congresso e implementa os planos de seu próprio partido, ou não tem e é obrigado a negociar com o outro partido. Não é garantido o alinhamento entre os poderes, mas negociar com apenas uma entidade de oposição é muito mais simples que negociações multilaterais. Há também o semipresidencialismo, um sistema híbrido em que um Presidente e um Primeiro Ministro compartilham o Poder Executivo. França, Portugal e alguns outros países são semipresidencialistas.
Mudar o sistema político do Brasil está longe de ser simples. Provavelmente a reforma precisaria passar por uma Assembleia Constituinte que redigisse uma nova constituição, processo que abre a caixa de Pandora e talvez seja melhor ser postergado até que a população tenha um pouco mais de maturidade política. De toda forma, “uma jornada de mil milhas começa com o primeiro passo” e nos parece adequado começar pela discussão da existência desse problema estrutural.
Ascendência do populismo
Esse não é um problema exclusivamente brasileiro. O mundo todo vem passando por uma nova onda populista, impulsionada pelo imediatismo característico da modernidade aliado ao estilo de comunicação das redes sociais. A qualidade dos debates públicos sempre teve espaço para melhora, mas claramente vem piorando. As disputas eleitorais se tornaram “meme wars”, em que conteúdos digitais chegam rapidamente a milhões de visualizações e moldam a opinião pública.
A questão é delicada porque o mal não está no estilo da comunicação em si. Elementos simbólicos sempre fizeram parte das disputas políticas e, por vezes, sintetizam mensagens legítimas que muitos não têm eloquência para expressar com clareza. O problema é essa comunicação viral ser usada como ferramenta para alavancar discursos populistas, que sempre se disseminam mais rápido do que sua cura: aumentar o nível educacional do povo.
É como se quiséssemos eleger o diretor de uma escola através do voto dos alunos e, enquanto um dos candidatos tenta convencê-los de que estender as horas de estudo e manter o rigor é o melhor para eles no longo prazo, outro simplesmente distribui adesivos com a mensagem “Mais férias, menos provas! Estudante merece respeito!”.
Apesar do problema, não acreditamos que qualquer tentativa de controle da comunicação seja adequado. A liberdade de expressão é um pilar fundamental da democracia por bons motivos e abandoná-la pode levar a problemas piores. O fato de que o mundo oscila entre populismo e austeridade há milênios indica que não há solução definitiva. O retorno à austeridade vem quando as medidas populistas dão errado e o povo é forçado a entender certas questões através da própria imposição da realidade prática. O que podemos fazer é tentar difundir um nível mínimo de consciência política e tomar cuidado para não apoiar iniciativas que se transformem em armadilhas populistas para todos os partidos. Uma dessas é a distribuição ampla de benefícios que temos no Brasil.
Hoje, 12 dos 26 estados brasileiros têm mais beneficiários do Bolsa Família do que trabalhadores com carteira assinada, fruto de ações de ambos os lados de nosso espectro político. Se tornou típico o caso de trabalhadores que não querem mais empregos CLT, pois ganham mais trabalhando informalmente e subdeclarando renda para receber benefícios do Estado. O arranjo é ruim em múltiplas camadas. Reduz a disponibilidade de mão de obra para a indústria brasileira e desloca o tempo útil das pessoas para funções informais menos produtivas, que só compensam economicamente quando o Estado arrecada dinheiro da população formalmente empregada, já que os informais não pagam impostos, e o redistribui aos desempregados ou “subempregados”. Em paralelo, se imprime no imaginário popular o fato de que é vantajoso ocultar renda na declaração feita ao Estado, receber benefícios e trabalhar em esquemas flexíveis. Ao invés de incentivarmos a ética de trabalho e dedicação regular em posições fixas inseridas em um arranjo econômico produtivo (vulgo, empresas), incentivamos microiniciativas independentes de baixa produtividade e a prática de estelionato contra a União.
Não é uma armadilha fácil de se desmontar. O partido que se manifestar contra estará condenado a perder as eleições. Há risco de ainda vermos benefícios sendo ampliados em épocas eleitorais, nos leilões populistas de campanha. A saída mais provável é esperar que o valor dos benefícios seja corroído pela inflação ou que alguma crise externa seja usada como justificativa para correções mais rápidas.
Há esperança?
Singapura proclamou sua independência em 1965, depois de ser expulsa da Malásia em uma manobra política que pretendia destruir o partido dominante em Singapura e, posteriormente, receber a cidade-estado de volta sob total submissão. O pequeno país de ~2 milhões de habitantes tinha PIB per capita de ~$ 500, população dividida em 3 principais etnias que conflitavam entre si, falavam mais de 10 línguas diferentes e ~35% das pessoas eram analfabetas. Hoje, o PIB per capita de Singapura é $ 85.000 e o país lidera o ranking internacional de educação (PISA 2022) nas três categorias: matemática, letras e ciências.
Deng Xiaoping assumiu o poder na China em 1978 (não oficialmente, mas deixaremos essa história para outra ocasião). Na época, o PIB per capita chinês era de ~$200, ~35% da população era analfabeta, a educação do país havia sido destroçada pela Revolução Cultural de Mao Zedong e a economia era o resultado do período chamado pelos chineses de “Século de Humilhação”. Hoje, o PIB per capita chinês é de ~ $13.700, mesmo com seus 1,4 bilhões de habitantes. A China continental não participa do ranking internacional de educação, mas Macau, Taiwan e Hong Kong estão em 2º, 3º e 4º lugar, atrás apenas de Singapura.
Um exemplo pequeno e um gigantesco, ambos de países que tiveram um ponto de partida muito pior do que a atual situação brasileira. Então, é perfeitamente possível transformar o Brasil em uma nação desenvolvida. Inclusive, temos a impressão de que o país vem melhorando nas últimas décadas, apesar de a passos lentos. Acelerar esse processo exigiria maior contribuição de nossas elites intelectuais, econômicas e políticas, que são as pessoas mais aptas a liderar movimentos significativos. Nesse ponto, deixaremos uma provocação.
É comum ouvirmos críticas ácidas e comentários feitos com desprezo pelo nosso próprio país. A grande maioria considera que não tem responsabilidade nenhuma pela condição brasileira. Vários têm um plano de fuga para o exterior caso o Brasil não melhore, aos seus olhos. De certa forma, esse é um mal democrático. Cada cidadão é tão pequeno diante do Estado que acaba alienado dos assuntos públicos e passa a enxergar que todo mal é culpa de terceiros. Porém, vale relembrar o “não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país”. Transformações coletivas vêm de esforços coletivos. Cada um contribui com seu esforço aparentemente irrelevante e a soma de todas as iniciativas alcança enormes proporções. Precisamos substituir o sonho de mudar para o exterior pelo sonho de melhorar o Brasil.