Como Encontramos Boas Oportunidades
Dear investors,
Há uma tendência de acreditar que resultados extraordinários vêm de métodos extraordinariamente complexos. Isso é verdade em alguns casos, mas está longe de ser uma regra geral. Há várias atividades em que métodos eficazes são simples e conhecidos. Mas, então, por que todos não fazem o se sabe que funciona e atingem excelentes resultados? Ao menos, por duas razões. A mais evidente é que nem tudo que é fácil de entender é fácil de executar. Colocar uma pedra no alto de uma montanha é simples, em conceito. Basta carregá-la até lá. A outra razão, mais curiosa, é que muitos apenas não acreditam que algo tão simples possa funcionar e sequer tentam ou não mantém a disciplina de execução, especialmente necessária nas atividades em que os resultados dependem de consistência e demoram para aparecer. Ao invés de fazer o óbvio, rondam continuamente em busca da “fórmula mágica”. Como podem imaginar, investir em ações é uma dessas atividades.
A filosofia de investimento que seguimos, chamada de value investing, é tão antiga, simples e conhecida que acabou sendo banalizada. Multidões de investidores dizem seguí-la e defendem conceitos semelhantes, mas a maioria deles tem retornos medíocres. Fica a impressão de que falta algo.
O value investing não é incompleto em si, mas comumente falta a clareza de como aplicar seus princípios nos casos concretos encontrados na vida prática, que resistem a se encaixar perfeitamente em definições genéricas e abstratas. Para lidar com isso, investidores costumam criam tipologias próprias de teses de investimento, incluindo características mais concretas e fáceis de reconhecer, que ajudam a filtrar oportunidades de interesse e interpretar rapidamente as que se assemelham aos esquemáticos pré-definidos.
Também recorremos a esse artifício e criamos modelos mentais para direcionar as buscas por boas oportunidades e categorizar nossos investimentos. A seguir, traremos uma breve revisão dos princípios que servem de pano de fundo para nossos principais modelos de teses e explicaremos cada um deles.
Princípios Tradicionais
O que buscamos são oportunidades de comprar empresas boas e baratas. Na impossibilidade de encontrá-las, passamos a buscar empresas boas ao preço justo ou empresas aceitáveis a preços muito descontados. O método é o mesmo na compra de qualquer coisa e a dificuldade está toda na avaliação adequada do alvo de compra e do preço ofertado. Assim, o primeiro ponto é entender o que podemos chamar de uma boa empresa.
Se nosso objetivo primordial é obter o maior retorno possível sobre o capital investido, devemos buscar empresas capazes de realizar exatamente isso: obter alta rentabilidade sobre o capital empregado em suas operações. Não é uma tarefa fácil devido à própria dinâmica do livre mercado, em que várias empresas competem entre si para serem as escolhidas por seus clientes em potencial, que buscam o melhor produto ou serviço possível pelo preço que estão dispostos a pagar. Esse leilão de ofertas pressiona os preços de venda praticados pelo negócio e, em condições normais, faz com que a rentabilidade do capital aplicado em suas operações convirja para o custo médio de capital no mercado, composto pela taxa básica de juros adicionada de um prêmio de retorno que compense o risco do negócio, na visão dos investidores em geral.
A condição necessária para que uma empresa tenha rentabilidade superior à média é ter vantagens competitivas que não podem ser replicadas facilmente por seus competidores. A vantagem mais simples de entender é de custo: se uma empresa produz algo semelhante aos seus competidores a um custo mais baixo, terá maior rentabilidade mesmo sem nenhum diferencial na oferta feita aos clientes. Por exemplo, as petroleiras da Arábia Saudita são incrivelmente rentáveis mesmo em vendas de petróleo de baixa qualidade, pois seus custos de extração estão entre os menores do mundo.
Há várias outras vantagens possíveis, mas o tema é longo e o deixaremos para outra ocasião. No momento, o interesse é apenas compreender que boas empresas são aquelas que têm vantagens competitivas sustentáveis e geram, nos investimentos feitos em suas operações, retornos consistentemente superiores ao custo médio de capital no mercado. O próximo ponto é entender o que significa afirmar que uma empresa está barata.
O capital dos acionistas efetivamente empregado nas operações de uma empresa é, à grosso modo, o valor do patrimônio líquido registrado em seus demonstrativos financeiros. Para obter a taxa de retorno intrínseca ao negócio, seria necessário comprar ações a um preço próximo ao seu valor patrimonial. Raramente isso é possível, pois os preços das ações são definidos no mercado sob leilão. Quando é de conhecimento comum que um negócio gera retornos altos e consistentes, os investidores disputam para comprar suas ações e elevam os preços muito além do valor patrimonial, até um patamar em que o retorno implícito no investimento se aproxime, novamente, do custo médio de capital.
Se o público amplo de investidores fosse sempre eficiente em avaliar as oportunidades de investimento, todos os preços deveriam sempre convergir para valores que resultariam nos mesmos retornos medianos. Não é o que ocorre de fato, mas podemos afirmar que os preços das ações sempre refletem a expectativa média do mercado para o fluxo de caixa a ser gerado pela empresa no futuro, trazido a valor presente usando como taxa de desconto o custo médio de capital. Assim, ao afirmar que uma ação está barata, estamos dizendo que nossas expectativas para seus resultados futuros são superiores às expectativas do mercado. É importante ter clareza nesse ponto e a consciência de por que estamos projetando um desempenho acima do que os demais investidores acreditam. Nossos modelos mentais para encontrar boas oportunidades foram definidos justamente sob o ponto de vista de identificar em quais situações podemos ter interesse em ir contra a crença geral do mercado.
Ultrarunners
Empresas ideais são as que geram bons resultados constantemente. O único problema é que, diante de um longo histórico de resultados bons e estáveis, projetar os próximos anos é uma tarefa fácil para qualquer investidor e o mercado costuma precificar as ações de acordo, eliminando prêmios de retorno atípicos.
Ações de empresas assim só costumam cair quando as pessoas se tornam pessimistas em geral. Problemas macroeconômicos ou políticos no país, por exemplo, podem fazer com que uma parcela do mercado acredite que todos os negócios sofrerão e ajuste suas expectativas de acordo. Se as ações das boas empresas caírem junto com as demais, podem surgir oportunidades atrativas.
Comprar ações nesses cenários econômicos ruins é acreditar na continuidade do negócio mesmo em meio a adversidades. Para que essa tese seja razoável, a empresa deve ter vantagens competitivas claras e relevantes, capazes de manter o negócio protegido ao longo da crise ou, ao menos, permitir que ele resista até que voltem os bons tempos.
De maneira esquemática, o gráfico abaixo ilustra a diferença entre as nossas expectativas e aquelas implícitas no preço de mercado nesse tipo de tese.

Exemplos de investimentos nossos que se encaixam nessa categoria são Fleury e Caixa Seguridade, empresas com resultados excelentes e consistentes que tivermos a oportunidade de comprar a preços atrativos devido a fatores externos aos seus negócios.
Challengers
Outro tipo de situação é quando uma empresa que não tem um histórico diferenciado passa por alguma mudança que pode elevar sua rentabilidade. Pode ser desde algo interno, como o lançamento de um produto promissor ou a entrada em um novo segmento de negócios, até algo completamente alheio aos atos da própria empresa, como o aumento do preço de seus produtos no mercado por causa de um aumento súbito da demanda.
Oportunidades assim são difíceis de detectar porque exigem análises aprofundadas sobre negócios cujo histórico não impressiona. Algo precisa nos chamar a atenção para que dediquemos tempo à empresa. Às vezes são relatos de pessoas do setor sobre mudanças que vêm acontecendo. Às vezes esbarramos com alguma ideia interessante enquanto estamos estudando outras coisas.
O lado bom de encontrar oportunidades assim é que, por serem menos visíveis, o aumento de rentabilidade potencial pode estar sendo completamente ignorado na avaliação feita pelo mercado. Se pudermos comprar a um preço que ainda traz um retorno aceitável caso estejamos errados sobre a mudança, há uma assimetria clara entre potencial de retorno e risco. É como se comprássemos uma opção gratuita de participar do possível futuro otimista para o negócio.

Um exemplo famoso é o caso da Nvidia, que fabricava placas de vídeo para jogos eletrônicos e percebeu que sua tecnologia poderia ser usada para o processamento computacional exigido pelos modelos de inteligência artificial. A entrada no novo segmento aumentou brutalmente a receita e rentabilidade da empresa. Infelizmente não participamos dessa tese, mas um exemplo mais modesto é o caso do nosso investimento na Marcopolo, líder do setor de carrocerias de ônibus no Brasil. A empresa passou por uma década de vendas fracas, mas a frota de ônibus brasileira foi envelhecendo e gerando uma demanda reprimida que começou a se manifestar em 2023, quando já não havia mais capacidade fabril suficiente no país. Com esse desequilíbrio entre oferta e demanda, a rentabilidade da Marcopolo dobrou e o preço da ação triplicou. A quem tiver curiosidade, contamos a tese na carta de outubro de 2021.
Sprinters
Resta ainda a categoria de oportunidades mais tradicional entre os value investors: negócios simplesmente muito baratas, independente da sua qualidade. Empresas pouco apreciadas pelo mercado podem passar por um período ruim e ter suas ações excessivamente penalizadas. Podem ser puramente desprezadas pela maioria dos investidores, por baixa liquidez ou pela mediocridade de seu negócio, e ter suas ações oscilando erraticamente, dependendo mais da decisão de um ou outro investidor do que de uma dinâmica de leilão eficiente no mercado.
Independente do motivo que levou ao preço baixo, a essência dessas teses é comprar tão barato que o risco de prejuízo é baixo. Às vezes, surgem oportunidades de comprar abaixo do preço de liquidação do negócio. Ou seja, se a empresa fechasse as portas, vendesse todos os seus ativos e pagasse os passivos, restaria mais capital do que todas as suas ações valem na bolsa.
Para que teses assim sejam muito bem-sucedidas, é necessário que o preço das ações seja corrigido em poucos anos. Quanto mais tempo passar, mais o retorno do investimento se aproximará da rentabilidade natural do negócio que, nesses casos, é inferior ao que desejamos. Como o tempo fica contra o investidor nessas situações, não é nosso tipo de investimento favorito. Tipicamente, só compraremos ações desse perfil se conseguirmos enxergar algum gatilho que torne a reprecificação provável no futuro próximo.

O que tornou essa categoria tão conhecida, e que a mantém entre nossos modelos mentais, é o fato de que sempre há oportunidades assim em algum canto do mercado. Encontrá-las depende só de persistência e do volume de horas investidas procurando.
Nosso investimento na empresa inglesa Anexo se enquadra nessa categoria e exemplifica bem o processo de busca. Fizemos um mapeamento quantitativo em busca de empresas avaliadas a múltiplos muito baixos, mas com um histórico de rentabilidade aceitável, que gerou uma lista com pouco mais de 300 ações. Após uma primeira triagem manual – olhando rapidamente o perfil de cada negócio – restaram cerca de 25 empresas. Em uma segunda triagem mais cautelosa, restaram 5. Dentre as finalistas, estava Anexo.
O mais comum é não haver nenhuma oportunidade boa mesmo entre centenas de empresas mapeadas dessa forma, mas o protocolo pode ser repetido diversas vezes, com diferentes critérios de filtragem, até que se encontre algo.
Comeback players
Por fim, nosso tipo favorito de oportunidades. Mesmo empresas excelentes têm seus períodos de azar e, ocasionalmente, apresentam resultados ruins. O mercado é arisco e curto prazista. Quando a sequência de lucros consistentes é rompida e frustra a expectativa dos analistas, as ações caem. Apesar do histórico de sucesso do negócio, boa parte dos investidores pode ficar com receio de que os resultados recentes sinalizem um novo patamar de rentabilidade, ou vendem por não estarem dispostos a conviver com alguns trimestres de resultados fracos. Quando isso acontece, vale a pena investigar. Fora de grandes crises econômicas, é raro ter a oportunidade de pagar barato por ações de alta qualidade.
Nesses casos, o cerne da tese de investimento é entender se o evento negativo responsável pelos resultados ruins representa causou sistêmicas no negócio, que podem ser irreversíveis, ou se o efeito é passageiro. As mudanças sistêmicas preocupantes são as que eliminam as vantagens competitivas relacionadas ao histórico de retornos superiores à média. Se for esse o caso da empresa avaliada, a queda dos preços pode ser bem justificada, pois é improvável que ela recupere sua posição original. Um exemplo de vantagem competitiva perdida é a história da Intel, que dominou o mercado de CPUs (processadores de computador) por décadas, até que sua tecnologia foi superada pela parceria entre a AMD e TSCM em 2017. Nos últimos anos, a Intel passou de $ 20 bilhões de lucro anual para $ 20 bilhões de prejuízo e até hoje não é capaz de produzir CPUs tão avançadas quanto os da concorrência.
Quando os resultados ruins são passageiros, a oportunidade é obviamente boa, mas é necessário ter cautela antes de chegar a essa conclusão. Empresas de alta qualidade costumam ser bem cobertas pelo mercado. Quando o preço de suas ações cai em um ambiente econômico favorável, significa que a maioria dos investidores acredita que, por fatores relacionados especificamente ao negócio, o mal não é passageiro ou o período ruim pode se estender muito. A opinião da maioria pode estar errada, mas nos preocupamos em ser especialmente diligentes antes de ir contra o mercado em teses sob o escrutínio de todos.

Nosso investimento em Porto, líder no setor de seguros de automóveis e agora presente em vários outros segmentos, representa bem essa categoria. A rentabilidade dela foi negativamente impactada por choques que o setor de seguros auto sofreu durante a pandemia. Resumidamente, por um certo período foram vendidas apólices de seguro com preços baixos, baseados em premissas que se revelaram otimistas a posteriori. Quando os custos vieram acima do previsto, o lucro da Porto caiu e o mercado penalizou suas ações. No entanto, vimos os preços das novas apólices serem ajustados e a Porto manter sua base de clientes intacta, então era só questão de tempo até que as apólices baratas expirassem e fossem renovadas aos preços ajustados. O caminho de recuperação não teve nenhuma surpresa negativa e o investimento já foi bem-sucedido. Aos que quiserem mais detalhes, explicamos essa tese na carta de março de 2024.
Encerramento
Outros investidores já divulgaram como classificam suas teses e parece haver uma boa dose de preferência pessoal na delimitação dessas categorias. O leque de oportunidades cobertas costuma se sobrepor amplamente, mas o jeito de agrupá-las e as nuances nas descrições variam caso a caso. Ainda assim, ler sobre esses exemplos no passado nos ajudou a entender o processo de seleção de oportunidades e a criar nossos próprios modelos mentais. Em honra à generosidade dos que vieram antes de nós, deixamos também nossa contribuição para o tema.