Como construímos portfólios

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O objetivo é alocar o capital nas melhores oportunidades disponíveis em um dado momento, sem o expor demasiadamente a riscos de perdas. As teses de investimento aprovadas precisam ser comparadas entre si para decidir o percentual adequado a cada uma, então precisamos de um método que permita fazer essa comparação de maneira consistente. Também precisamos controlar o nível de risco do portfólio em si, resultante do agrupamento das teses selecionadas e níveis de alocação definidos. Explicaremos a seguir como endereçamos essas questões.

A teoria de como comparar teses é trivial: basta comparar os potenciais de retorno e os níveis de risco de cada uma delas. A tese que oferecer maior retorno por unidade padronizada de risco é a melhor. O problema prático é que não há um método categórico para determinar essas duas variáveis de interesse com precisão.

Para cada tese de investimento, desenvolvemos um modelo financeiro que simula os resultados do negócio no futuro e permite calcular o valor da empresa, descontando seu fluxo de caixa esperado. Como esse modelo depende de uma série de premissas incertas, o valor calculado é igualmente incerto. Dizer que há um valor justo único para o negócio é uma simplificação convencional. A visão mais realista é que há um espectro de possibilidades de qual pode ser o valor real da empresa, dependendo do que acontecerá futuramente. Fazendo diversas simulações variando as premissas mais relevantes, teríamos uma curva de valores possíveis semelhante a esta:

cartadez1 - Como construímos portfólios

O que chamamos de valor justo é a média dessa distribuição de probabilidades, mas essa não é a única informação que importa. O formato da curva também é relevante. Curvas estreitas significam que o negócio avaliado é estável e a assertividade das projeções é maior. Curvas largas significam maior risco. Há casos em que a curva é assimétrica, com inclinação para o lado dos ganhos ou das perdas.

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Simplificamos esses resultados para usá-los no cotidiano da seguinte maneira: o que importa é a faixa de valores mais prováveis, então podemos excluir as “caudas” do gráfico e manter o intervalo que representa ~90% da distribuição de probabilidades. Ao invés de ter apenas o valor médio como referência, mantemos três pontos: o médio, o limite inferior e o limite superior. Assim, podemos avaliar a relação de risco e retorno de cada tese de investimento comparando o preço de mercado com esses pontos de referência. O desconto do preço em relação ao valor médio é o que chamamos de margem de segurança e a diferença entre o preço e o limite superior dividida pela diferença entre o preço e o limite inferior estabelece a relação entre ganho potencial e perda potencial, conforme ilustrado abaixo.

cartadez3 - Como construímos portfólios

Com essas análises feitas, a comparação entre teses volta a ser trivial. Quanto maior a margem de segurança e maior a relação entre ganho potencial e perda potencial, melhor é a tese.

Em paralelo a essa análise quantitativa, avaliamos também os aspectos qualitativos das empresas de acordo com uma lista de critérios pré-estabelecidos. Por exemplo, nível de competitividade no segmento de negócios, força das vantagens competitivas, ameaça por diferentes fatores de risco, potencial de crescimento etc. Para cada um deles, a empresa recebe uma nota em escala padronizada e o conjunto de notas individuais compõe uma nota geral que representa nossa visão sobre a qualidade do negócio. Essa metodologia, conhecida como scorecard, permite compararmos fatores difíceis de quantificar diretamente, mas ainda relevantes para as decisões de alocação.

Comparando os fatores quantitativos e as notas do scorecard qualitativo de cada empresa, ordenamos as teses de investimento aprovadas de acordo com sua atratividade e conseguimos ter uma primeira ideia de quais deveriam receber maior ou menor alocação de capital. Para definir os percentuais que cada tese representará, ainda são necessários alguns passos.

Limites individuais de alocação

Há dois fatores que limitam o tamanho de uma tese em nosso portfólio. O primeiro deles é a liquidez da ação. Precisamos manter a capacidade dos fundos de retornar o capital de nossos investidores quando solicitado, então cada investimento deve ser limitado ao tamanho máximo que ainda pode ser vendido no mercado dentro do prazo de resgate dos fundos. O segundo é o risco de perda que a tese carrega, independentemente de seu potencial de ganho.

Imagine um investimento que pode resultar em perda de 80% do capital aplicado em um cenário desfavorável, mas, por outro lado, pode multiplicar o valor inicialmente investido por dez. A relação de ganho e perda possíveis é bastante favorável. A oportunidade é atrativa, mas não seria prudente alocar um percentual muito grande do portfólio nela devido à relevância do risco de perda. Como regra prática, definimos qual é o percentual máximo do portfólio que estamos dispostos a expor à tese em questão e limitamos o tamanho do investimento de acordo. Por exemplo, se esse limite for de 4%, essa tese hipotética poderia receber alocação máxima de 5% (5% x 80% = 4%). Se a perda potencial fosse de 25%, a alocação máxima seria de 16%.

Esses limites, em especial o de exposição máxima do portfólio a uma única tese, torna necessário distribuir o capital entre várias teses. É a famosa diversificação, que se defende como forma de mitigar riscos de investimento.

Diversificação efetiva

É fácil entender o motivo da diversificação imaginando uma série de lançamentos de dados. Em apenas 5 lançamentos, é difícil prever quantas vezes sairá o número 6. Em 6.000 lançamentos, é bem provável que saia o 6 em aproximadamente 1.000 vezes. Esse é um princípio estatístico conhecido como Lei dos Grandes Números: quanto maior o número de amostras, mais a média do resultado será estável e previsível.

O racional para diversificar investimentos é análogo. Se tivermos várias oportunidades de investimento com retornos não correlacionados, o retorno real do portfólio se aproximará do retorno calculado a partir dos valores esperados para cada tese (assumindo que as estimativas estejam corretas). O ponto importante para manter em mente é que teses de investimento não são eventos replicáveis, como os lançamentos de dados, e a existência de um grande número de teses com perfis de risco e retorno semelhantes é um ideal puramente teórico. Na prática, encontramos poucas teses atrativas e a qualidade delas decai rápido. Ou seja, a décima melhor tese já é consideravelmente pior que a primeira. Por essa razão, é necessário buscar um equilíbrio entre diversificação suficiente para controlar risco e concentração nas melhores teses para tornar o retorno potencial do portfólio atrativo.

Optamos por manter entre 5 e 15 teses em portfólio, dependendo da quantidade de teses suficientemente atrativas que encontrarmos em cada temporada. Quando a bolsa está em baixa, é mais fácil encontrar várias oportunidades de investimento viáveis e diversificar mais o portfólio. Quando o mercado está em alta, é mais difícil de encontrar bons investimentos e nosso portfólio tende a ficar mais concentrado.

Nosso número alvo de posições é relativamente pequeno comparado ao que se pratica no mercado, mas a estratégia é bastante consciente. O benefício da diversificação diminui à medida que se adiciona mais e mais teses ao portfólio, enquanto a qualidade das teses adicionais se torna cada vez pior. A partir de certo ponto, adicionar uma nova tese à carteira aumenta o risco do portfólio mesmo considerando o benefício da diversificação maior, devido a menor qualidade da empresa.

Por termos um portfólio concentrado nas melhores teses, precisamos garantir que elas não tenham correlação forte entre si, para manter o nível de risco sob controle. Não basta avaliar se as empresas estão em setores econômicos diferentes. Mapeamos quais variáveis têm impacto relevante sobre cada tese e tomamos o cuidado de não concentrar o portfólio em empresas fortemente dependentes das mesmas variáveis econômicas. Em um exemplo fácil de visualizar, imagine uma cidade totalmente voltada para o turismo. Se você investir em um posto de gasolina, um restaurante, um hotel e uma loja de roupas, todos os seus negócios ainda serão bastante dependentes de um mesmo fator: a quantidade de pessoas que visitará essa cidade na temporada.

Com a lista de teses aprovadas ordenada por atratividade, seus limites individuais estabelecidos e o entendimento da correlação entre os negócios, podemos definir qual parcela do portfólio será alocada em cada oportunidade. Esse processo de alocação é dinâmico. Como os preços de mercado mudam a todo o tempo e os negócios em si passam por transformações, é necessário reavaliar o portfólio de tempos em tempos.

Monitoramento e rebalanceamento

Se assumíssemos que os valores estimados para cada empresa fossem informações precisas, faria sentido rebalancear o portfólio frequentemente, mesmo diante de variações de preço de poucos pontos percentuais nas empresas investidas. No entanto, investir está longe de ser uma atividade de precisão. As estimativas de valor são grosseiras e há muito ruído nas variações de preço, então rebalanceamentos frequentes demais aumentariam custos de transação e consumiriam tempo da equipe sem grande probabilidade de aumentar o retorno total do portfólio.

Nos mantemos atentos às novas informações relevantes às nossas teses investidas, mas só fazemos rebalanceamentos no portfólio quando há alterações relevantes nas expectativas para uma ou mais empresas investidas, ou quando há variação relevante dos seus preços de mercado. Para prevenir que essa dinâmica nos torne lenientes, de tempos em tempos realizamos uma avaliação geral comparando todas as teses investidas entre si e com teses de investimento que foram aprovadas, mas não entraram no portfólio, devido ao preço de mercado ou por correlação com outra tese investida. O exercício é como se estivéssemos construindo o portfólio do zero e é uma boa forma de garantir que as alocações mantidas são fruto de decisões racionais, e não da falta de rebalanceamentos.

Mesmo com todos os cuidados possíveis, todo investidor sabe que é impossível acertar os momentos exatos de comprar e vender cada ação. Operar próximo da máxima ou da mínima histórica depende muito mais de sorte do que de habilidade. Nosso objetivo é comprar e vender dentro de faixas de preço em que essas decisões sejam justificáveis. Fazendo isso consistentemente, ao longo da última década, conseguimos entregar um retorno atrativo para nossos investidores e esperamos que essa abordagem continue gerando excelentes resultados no futuro.

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