O Pêndulo do Mercado

Caros investidores,

  Em um memorando escrito em 1991 por Howard Marks, o famoso investidor fundamentalista à frente da Oaktree Capital Management, o movimento de um pêndulo é usado como analogia para descrever a dinâmica das oscilações de mercado. Essa ideia de movimento pendular seria revisitada várias vezes por ele (em outros memorandos e nos livros The Most Important Thing e Mastering the Market Cycle) e apontada como um dos conceitos mais fundamentais para entender o comportamento dos mercados.

No extremo negativo, quando o sentimento geral é de pessimismo e os preços atingem suas mínimas históricas, é como se o pêndulo estivesse na posição das 9h em um relógio. No extremo oposto, quando o clima é de otimismo generalizado e parece que nada pode dar errado, é como se o pêndulo estivesse na posição das 3h no relógio. O ponto mais baixo, às 6h, é onde os níveis de preços deveriam permanecer se os mercados fossem sempre racionais e ponderados. Porém, da mesma forma que o pêndulo, o mercado passa menos tempo às 6h do que nas zonas laterais, de preços acima ou abaixo do que apontam as avaliações mais ponderadas.

Parece um contrassenso dizer que um mercado constituído por investidores inteligentes e qualificados passa a maior parte do tempo com noções distorcidas sobre o valor real dos ativos, mas a racionalidade nos mercados é como a força da gravidade agindo sobre o pêndulo. Ela sempre age no sentido de levar até o ponto de equilíbrio às 6h. No entanto, sob influência de uma força externa, esse equilíbrio estático se torna dinâmico: o pêndulo oscila em torno de seu ponto de equilíbrio, mas não estaciona nele. No mercado, a força externa que perturba o equilíbrio estático e cria essa dinâmica pendular é a natureza da psicologia humana.

Aplicação da analogia do pêndulo

Imperfeita como as analogias costumam ser, essa carrega algumas diferenças importantes. A primeira é que o movimento pendular do mercado não é regular e calculável como o do pêndulo físico. Não é possível saber até onde o mercado irá e quando vai reverter seu movimento. A segunda é que o mercado não se movimenta na mesma direção até atingir seus pontos extremos. Há uma série de reversões de curto prazo, sem que haja um método consistente para diferenciar as reversões breves daquelas que se revelarão como pontos de inflexão de tendências de longo prazo. Uma analogia mais precisa seria a de um pêndulo feito com uma bola de isopor e exposto a ventos soprando ora numa direção, ora noutra, sem seguir qualquer padrão previsível.

Apesar dessa componente aleatória frustrar o eterno desejo dos investidores de prever o futuro dos preços nos mercados, há duas conclusões de utilidade prática que podemos derivar dessa analogia. A primeira é a consciência de que, cedo ou tarde, o mercado reverterá a direção de seu movimento para passar novamente por seu ponto de equilíbrio. A segunda é que, conhecendo os sintomas que se tornam visíveis nos extremos do movimento pendular do mercado, é possível estimar, com certa confiança, se ele está à esquerda ou à direita das 6h. Mesmo que essa informação seja imprecisa, pois não é possível saber se o pêndulo está às 3h ou às 4h, ela é útil por indicar qual é a direção que há maior probabilidade do mercado se mover no longo prazo. Se está pro lado das 9h, a maior chance é que volte a subir e, se está mais próximo das 3h, é mais provável que volte a cair.

Uma vez que a causa do movimento pendular é a psicologia humana e é útil identificar os sintomas que indicam em qual zona está a posição atual do pêndulo, o próximo passo é mapearmos como a psicologia de um investidor típico evolui ao longo das fases do movimento.

Do extremo negativo ao ponto de equilíbrio

As marcas dessa fase são a predominância do medo de perder dinheiro, o ceticismo diante das boas novidades e credulidade diante das ruins, levando a uma aversão a investimentos que carreguem algum risco. Com isso, os preços das ações despencam e as narrativas pessimistas ganham espaço nas declarações públicas. Cada queda adicional é mais um reforço de que os pessimistas estão certos e quem permanece investido é rotulado como ingênuo por não enxergar a clara tendência negativa.

O fator psicológico presente nessa fase não é apenas o medo de ter prejuízos, mas também o medo de ir contra o que “todo mundo está vendo”, errar sozinho e sofrer o tormento de ter cometido um erro “tão óbvio”. A maior parte das pessoas prefere seguir a tendência predominante, sob o conforto psicológico de que errar com o restante do mercado é um “erro honesto”, que sempre acaba justificado por algo tão imprevisível que ninguém foi capaz de prever, enquanto errar sozinho seria uma tolice, uma falha inaceitável que ninguém mais cometeu.

Essa maré de pessimismo só é invertida quando os preços atingem patamares tão baixos que a assimetria entre retorno potencial e risco começa a chamar a atenção e injetar confiança nos investidores mais racionais. O medo de errar sozinho é substituído pela esperança de acertar sozinho, que carregaria não só os louros de ter visto o que ninguém mais foi capaz quanto lucros vultuosos. Então, alguns desses investidores entram na discussão pública como desafiantes das teses pessimistas, defendendo que o mercado foi longe demais e a tendência se inverterá.

Como teses exageradas para qualquer direção tendem a não se concretizar, quando o sentimento de mercado está em um extremo a passagem do tempo beneficia quem vai contra a opinião comum. À medida que as catástrofes profetizadas pelos pessimistas mais entusiastas não acontecem e a economia apresenta resultados melhores do que o esperado, por vezes devido ao simples efeito de reversão aos resultados médios históricos, mais investidores começam a mudar de opinião e voltar a investir em renda variável, fazendo com que os preços voltem a subir.

Tendo como ponto de partida os preços subvalorizados da posição às 9h, as análises racionais têm espaço para justificar uma tendência de alta por certo tempo, até que seja atingido o ponto de equilíbrio às 6h. Durante esse movimento, os otimistas ganham espaço na mídia e passam a ser os novos formadores de opinião, imbuídos de credibilidade pela recente tendência de alta de preços.

Do ponto de equilíbrio ao extremo positivo

Da mesma forma que o pêndulo físico atinge sua velocidade máxima quando passa pelas 6h, o mercado chega nesse ponto a pleno vapor e o ultrapassa sem dificuldade. Por mais que tenha sido a racionalidade a força causadora da reversão do movimento de baixa, poucos investidores comprados em bolsa vão se manter fiéis a ela e inverter seu discurso otimista a partir do momento que suas ações ultrapassarem os valores justos calculados na época do extremo negativo. Seus interesses financeiros são que os preços continuem subindo, então é nessa direção que suas manifestações públicas apontarão.

Mesmo para os que quisessem alertar o mercado de que o ponto de equilíbrio foi ultrapassado, o discurso racional ainda é fraco demais para interromper a tendência de alta. Avaliar ativos de renda variável é uma ciência imprecisa, em que margens de erro da ordem de 20% são comuns. Assim, dizer que os mercados estão levemente sobrevalorizados é interpretado como uma mera opinião baseada em ceticismo injustificado, em um momento em que o ambiente econômico está favorável e o humor de mercado é positivo.

Durante o movimento pendular em direção às 9h, os investidores já comprados são estimulados a continuar otimistas pela ganância de continuar ganhando dinheiro, enquanto os investidores que ainda estão fora da bolsa sofrem a influência de dois sentimentos que se reforçam: a inveja daqueles que investiram antes (e ganharam mais dinheiro) e o medo de continuar fora e não ganhar dinheiro junto com a maioria do mercado. Novamente, é o medo de errar sozinho e não aproveitar a oportunidade “óbvia” que todos estão aproveitando, se expondo ao ridículo.

À medida que os investidores que estavam fora da bolsa cedem a esses sentimentos e decidem comprar, criam uma demanda adicional que estimula a continuidade do movimento de alta. Apesar de não ser mais tão óbvio, do ponto de vista racional, que as ações estão desvalorizadas, elas precisam subir para que os novos compradores ganhem dinheiro, então eles também passam a defender que ainda há muito espaço para uma alta de preços. Aos poucos, a preocupação com o risco ao qual negócios estão naturalmente sujeitos vai se diluindo.

No extremo positivo, às 3h, os riscos são menosprezados e o retorno exigido para aceitá-los se torna irrazoável. As projeções de resultados de longo prazo passam a considerar cenários em que nenhum evento negativo surge no futuro. Várias empresas concorrentes projetam crescimentos agressivos que só poderiam se concretizar conquistando market share das demais e, mesmo assim, continuam com o respaldo de acionistas confiantes e dispostos a pagar valuations elevados por suas ações, menosprezando a dificuldade da competição. Assim surgem vários “unicórnios”, alguns deles atingindo valuations bilionários sem nunca terem gerado lucro em sua existência, sustentados puramente pelo otimismo e pela fé de seus investidores.

O novo patamar de preços está fadado a ser insustentável. A passagem do tempo aos poucos vai desmascarando as teses otimistas demais, com resultados de empresas frustrando as expectativas do mercado e investidores propensos a tomar risco demais, que costumam ocupar os holofotes enquanto dura a tendência de alta, sofrendo grandes perdas. Assim, cada vez mais investidores migram para o lado dos céticos e vendem suas ações, iniciando uma nova tendência de baixa.

Gestores, assessores e investidores individuais

Essa trajetória psicológica considera um investidor solitário, que olha apenas para seu portfólio, para os dados econômicos e opera diretamente no mercado, mas há um grau de complexidade extra no mundo real. Uma fração pequena dos investidores individuais compra e vende ações diretamente no mercado. A maior parte deles é atendida por assessores de corretoras ou de escritórios de wealth management, que selecionam gestores de fundos que, esses sim, operam diretamente na bolsa.

Esses profissionais do mercado financeiro estão sob condições um pouco diferentes quando comparados aos investidores individuais. Enquanto estes últimos podem operar sob sigilo e digerir sozinhos o amargor de eventuais perdas, gestores e assessores profissionais têm suas opiniões ou seus portfólios abertos ao escrutínio público e dependem de sua reputação para manter uma boa trajetória de carreira, então o receio de ir contra a corrente e errar sozinho é especialmente preocupante, pois os expõe aos riscos de ridicularização por seus pares, ataques por seus concorrentes e perda de clientes que passem a duvidar de sua competência após os erros. Acertar o momento da reversão de tendência também é um tema mais sensível para os profissionais. Se eles agirem cedo demais e pegarem a contramão do mercado por muito tempo, podem perder seus clientes antes que o tempo os prove corretos e recuperá-los está longe de ser fácil. Isso intensifica ainda mais a probabilidade do mercado se distanciar bastante do ponto de equilíbrio, uma vez que vários investidores profissionais hesitarão antes de assumirem a vanguarda na inversão da tendência.

O que os investidores individuais podem fazer

Os investidores individuais são os donos do dinheiro e, assim, tem a palavra final sobre onde seu capital será alocado. Mesmo que não operem diretamente em bolsa, decidem se querem ter seu capital aplicado em ações através da escolha de investir em fundos de ações ou em outros tipos de fundos. Os investidores que contratam wealth managers teoricamente delegam essa tarefa de escolher classes de ativos e fundos para seus assessores, mas nem todos dão a eles total liberdade. Quando um cliente expressa sua opinião sobre o que deve ser feito, o assessor tem que escolher entre a audácia de contrariá-lo, sob risco de perder o cliente se errar em sua recomendação, ou apenas seguir a opinião manifestada, sob a proteção de justificar que fez apenas o que o próprio cliente pediu. Com os incentivos desenhados desta forma, é difícil julgar aqueles que optam pelo caminho mais seguro para suas próprias carreiras.

Em última instância, o investidor individual continua responsável por decisões importantes. Uma alternativa é eleger pessoas de sua confiança e realmente deixa-las livres para desenhar suas estratégias de investimentos, ato que exigirá a temperança para tolerar erros de tempos em tempos, já que nenhum investidor será infalível. Outra possibilidade é interagir com seus assessores e continuar participando das decisões, mas com o cuidado para não os acuar, sob o risco de padecer do mesmo mal do chefe que privilegia funcionários que sempre concordam com suas próprias opiniões e termina cercado de bajuladores sem iniciativa alguma.

Outro cuidado é rastrear de onde vieram suas próprias opiniões sobre o mercado. As teses que ganham maior popularidade costumam ser bastante elegantes e, por isso, é comum considerá-las insights de mercado, mas um insight só tem valor antes de ser amplamente conhecido pelo público, como reforça o ditado “o que os sábios fazem no início, os tolos fazem no fim”. Se sua opinião foi formada a partir de notícias veiculadas na grande mídia e a maior parte das pessoas com quem você conversa concorda com ela, você está alinhado com a tendência predominante do mercado e a opinião não é um insight.

Vale ressaltar que nem sempre o melhor a se fazer é ir contra a tendência geral. Isso depende da posição na qual o pêndulo está agora. Entre 9h e 6h, enquanto a alta é a direção racional em que o mercado deveria estar se movendo, seguir a tendência é a melhor estratégia. A relação de risco e retorno se torna desfavorável na zona entre 6h e 3h, em que continuar seguindo a tendência de alta carrega o risco de estar comprado quando o movimento se inverter e sofrer as perdas da reversão.

Onde estamos hoje

Eliminar as alternativas erradas é sempre um bom método para facilitar o diagnóstico. Hoje claramente não estamos no extremo positivo do mercado de ações. Os temas da moda são renda fixa e investimentos no exterior, este último impulsionado por um esforço comercial grande de algumas corretoras que recentemente lançaram a possiblidade de investidores brasileiros abrirem contas para investir nos Estados Unidos. A direção do mercado também é claramente no sentido das 3h para as 9h (de queda), só resta saber se estamos antes ou depois das 6h, o ponto de equilíbrio onde os valuations estariam próximos de seus valores justos.

A melhor abordagem para responder essa questão é técnica: avaliar diversas empresas e comparar nossas próprias estimativas de valor justo com os preços de mercado. No entanto, essa abordagem é pouco prática para investidores individuais, pela extensão do trabalho envolvido nessas avaliações. O mesmo conceito poderia ser aplicado comparando os múltiplos de valuation atuais com suas médias históricas, mas as conclusões desse método simplificado devem ser tomadas com bastante cuidado, pois múltiplos podem variar bruscamente em determinadas situações.

Uma segunda abordagem para colher indícios de onde estamos é avaliar o estado psicológico da maioria dos investidores. Nos últimos 2 meses, o que temos notado é uma aversão grande à renda variável. Ouvimos de vários investidores, inclusive assessores profissionais, que não vale a pena dedicar tempo avaliando oportunidades de investimento em ações neste momento, pois o atual retorno da renda fixa já é suficiente. Esse pessimismo a priori com ações, sem julgar o mérito de oportunidades específicas, é característico dos extremos negativos do movimento pendular.

A abordagem técnica aponta para a mesma conclusão. Várias das empresas que analisamos estão com preços de mercado substancialmente abaixo do que estimamos ser seu valor justo. Infelizmente, não é possível saber se o pêndulo está já muito próximo das 9h ou se ainda passando pelas 8h, mas parece seguro afirmar que já passamos das 6h.

“Compre ao som dos canhões, venda ao som das trombetas.” – Nathan Rotschild

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