Caros investidores, Encerramos 2022 com um retorno de -12,0% no ano, comparado com +4,7% do IBOV e -15,1% do SMLL (índice de small caps). O retorno acumulado desde o início do fundo, há cerca de 9 anos e meio, é de 1.163% o que representa um retorno médio de 30,7% a.a. (vs. 9,2% a.a. do IBOV): Nesse período, mantivemos nossa estratégia tradicional: identificar empresas com negócios resilientes e com alta rentabilidade histórica e comprar suas ações quando o preço estivesse barato. Começamos nossa temporada de compras no último trimestre de 2021, quando algumas ações atingiram um patamar de preços que já nos parecia atrativo, e continuamos executando compras graduais até este momento. Conhecendo hoje a trajetória de preços das ações que escolhemos ter em carteira, começamos a comprar cerca de três trimestres mais cedo do que teria sido o ideal. Não nos parece que chegamos a pagar caro demais em nenhuma de nossas posições, mas, sem dúvida, teria sido melhor esperar e comprar as mesmas ações a preços ainda mais baixos do que pagamos inicialmente. Errar o melhor momento é uma das sinas eternas dos investidores. Como é impossível prever movimentos de preço de ações em períodos curtos, é esperado que a execução de compras e vendas seja sempre sub-ótima. Mas, mesmo tendo consciência disso, é sempre desagradável calcular quão melhor a execução poderia ter sido. Aproveitando esse tom positivo, falaremos nesta carta sobre as dificuldades de investir seguindo uma filosofia verdadeiramente fundamentalista de longo prazo e o que entendermos ser necessário para fazer isso com sucesso. A incerteza macroeconômica Quando lemos as manchetes de hoje, à primeira vista pode parecer preocupante; no Brasil, o novo governo tem demonstrado pouca preocupação com a responsabilidade fiscal, aumentando os gastos para além do teto sem contrapartidas claras de arrecadação, o que pode resultar em um aumento da relação dívida pública/PIB, que já se encontra em um patamar bastante elevado para um país emergente. No mundo, temos sinais de desaceleração das principais economias, resultantes de políticas monetárias mais restritivas dos Banco Centrais após anos praticando taxas de juros baixas. Adicionalmente, relações econômicas internacionais têm sido revisadas após os conflitos geopolíticos ocorrendo no mundo todo, o que pode levar a uma reorganização das cadeias logísticas levando em conta estabilidade e previsibilidade política em prol de eficiência e produtividade econômica. Entretanto, já passamos por períodos muito piores e, mesmo assim, as ações tiveram boas valorizações em períodos subsequentes. Jornais são recheados de explicações sobre o que está acontecendo na economia, mas é muito mais fácil entender a lógica do passado do que prever o futuro. Somos bastante céticos quanto à possibilidade de prever movimentos macroeconômicos, especialmente devido à quantidade de fatores aleatórios que interferem na economia ao longo do tempo. Ninguém previa a pandemia e a guerra da Rússia e Ucrânia, fontes de boa parte dos problemas macroeconômicos atuais. Via de regra, economistas rotulam esses acontecimentos como não recorrentes e explicam que suas projeções teriam se concretizado caso esses raríssimos eventos não tivessem ocorrido. Porém, a questão não é de quanto em quanto tempo ocorre uma pandemia ou uma guerra com impacto geopolítico global, mas sim de quanto em quanto tempo ocorre qualquer tipo de evento imprevisível que tem impacto econômico relevante. Os fatores aleatórios podem ser tanto ruins quanto bons. Às vezes, surge uma nova tecnologia que aumenta enormemente a produtividade em um determinado setor. Em outros casos, um acidente climático faz com que um país tenha colheitas excelentes enquanto outros tem uma produtividade agrícola péssima. O país das colheitas abundantes pode ser beneficiado com crescimento de PIB, balança comercial favorável e apreciação de sua moeda, sem nenhum mérito além de estar no local onde choveu na medida certa. Isso já ilustra bem a dificuldade de trabalhar com projeções macroeconômicas. Se quiser convencimento adicional, em nossa carta de fevereiro de 2022 analisamos a taxa de acerto das projeções de variáveis macroeconômicas no sistema expectativas, compilado pelo Banco Central do Brasil. Em resumo, está longe de ser boa. Como lidar com a incerteza Ter consciência da imprevisibilidade é melhor do que ter a ilusão de que o futuro é previsível. Se você tiver que escolher um veículo para uma corrida de 100km em terreno desconhecido, é melhor escolher um cavalo, que anda em qualquer lugar, do que uma ferrari, que só anda no asfalto. Dependendo da pista, você pode não chegar em primeiro lugar, mas vai terminar a corrida. A essência da estratégia para escolher investimentos é a mesma: sem saber o que vamos ter que atravessar, a melhor decisão é privilegiar investimentos em empresas que sejam capazes de continuar operando em uma ampla gama de cenários possíveis. Isso requer que seus negócios sejam adaptáveis a diferentes cenários macroeconômicos ou que atuem em setores de mercado naturalmente estáveis. Tirando exemplos de nosso próprio portfólio, a Multi é um negócio adaptável, pois sua expertise é importar produtos prontos ou componentes (em particular, da China), montá-los e distribuí-los no Brasil, sendo razoavelmente agnóstica a quais são os produtos em questão. A empresa hoje lida com mais de 7 mil itens, com um perfil de portfólio bastante diferente do que era 5 anos atrás. Nossa tese depende mais da competência da Multi em continuar executando o ciclo de seleção, importação e venda de novos produtos do que do desempenho específico dos atuais produtos da empresa. Já a Whirlpool, fabricante dos produtos de linha branca da Brastemp e Consul, é um exemplo de negócio atuante em um mercado estável. O setor de linha branca tem evolução tecnológica bastante lenta (pense em quanto sua geladeira mudou nos últimos 10 anos), em que a marca é um fator de decisão bastante importante para o consumidor e a eficiência de custo depende muito de escala. Assim, poucas empresas dominam esse setor no mundo e não tivemos grandes alterações na organização dessa indústria nas últimas décadas. O lado difícil dessa estratégia é que nem sempre negócios com esse perfil vão ter o melhor desempenho em comparação com os outros investimentos possíveis. Em 2022, várias empresas ligadas a commodities tiveram melhores resultados que nosso portfólio, mas resistimos a investir nesses setores porque o risco atrelado a futuras quedas no preço de commodities nos pareceu relevante. Na nossa corrida imaginária, se os primeiros 50km fossem de estrada, você se odiaria por ter escolhido o cavalo e só se alegraria novamente quando surgisse no trajeto um riacho para ser atravessado. Apesar de nossos dois exemplos não terem passado por seu melhor ano em 2022, são negócios sólidos que continuam gerando lucros mesmo nesse ambiente ruim e estão bem posicionados para ampliar seus resultados quando o cenário econômico se recuperar. A melhora certamente virá, apesar de não sabermos exatamente quando, pois o caráter cíclico da economia é bem conhecido. A questão que você pode estar se perguntando é: por que manter ou comprar ações durante ciclos de baixa, ao invés de esperar a crise passar? Excelente pergunta. A dor de comprar na baixa Gostamos de comprar ações a preços significativamente abaixo do que acreditamos que valem. Isso só é possível durante os ciclos de baixa, em meio a notícias ruins e pessimismo generalizado no mercado, quando alguns investidores deixam de acreditar nas empresas e decidem vender suas ações a qualquer preço. Ninguém está disposto a nos vender ações a preços muito descontados quando o cenário macroeconômico está positivo, a empresa está apresentando excelentes resultados e o humor de mercado está ótimo. Comprar muito barato exige encarar cenários negativos. Há quem diga que o truque é esperar o mercado começar a se recuperar para comprar, mas o conselho é tão eficiente quanto a recomendação de comprar na baixa e vender na alta. É óbvio que seria uma boa tática, caso fosse possível saber qual é o momento exato do ciclo econômico que estamos hoje e caso ninguém mais no mercado tivesse a mesma consciência sobre esse momento. Na vida real, as oportunidades de comprar muito barato desaparecem quando a incerteza macroeconômica se desfaz. É esse problema, de determinar os momentos exatos dos ciclos econômicos, que nos torna investidores de longo prazo. É mais fácil estimar com alguma precisão quanto deverá chover ao longo dos próximos 5 anos, tomando como base as médias históricas de chuva ao longo do tempo, do que estimar com confiabilidade quanto irá chover em uma semana específica daqui a alguns meses. Da mesma forma, é mais fácil estimar que uma empresa deve gerar um determinado patamar de resultados ao longo de 5 anos do que acertar qual será o resultado de um trimestre específico. Por isso, nossas teses de investimento assumem que nos manteremos posicionados por um longo período, o que torna provável que atravessemos tanto momentos macro bons quanto ruins. Com a expectativa de navegar todo esse ciclo, é muito mais favorável comprar durante os cenários de stress, quando os preços estão mais baixos, e ter a paciência para esperar que as coisas melhorem. Parece simples, mas é mais difícil do que parece. Resistência à queda É raro ter a sorte de comprar no momento exato em que a tendência de preços está se revertendo, de maneira que a ação só suba depois da compra. Quando se compra em meio a crises, é mais comum ter que observar sua ação caindo ainda por algum tempo. Isso exige tanto habilidade analítica quanto uma boa dose de resistência psicológica. Do lado analítico, realizar um bom trabalho de avaliação de qual é o valor real da empresa investida é o que dá segurança para se manter posicionado em uma tese. Se você sabe que algo vale ao redor de 100, comprou por 70 e viu o preço cair para 50, pode se lamentar de não ter esperado mais tempo para comprar tudo a 50, mas tem o conforto de saber que 70 ainda foi um bom preço (esse exemplo resume nosso estado atual). Sem essa referência de valor real, investir se tornaria um agonizante jogo de azar. Mesmo com essa análise em mãos, manter o investimento significa ver quedas de preço dia após dia, em meio a uma enxurrada de notícias negativas e diversas pessoas dizendo que essa é uma das piores crises de todos os tempos e que pode não haver recuperação, pois “desta vez é diferente”. Não se deixar abalar pelos excessos de emotividade e se manter puramente racional nesses períodos é um teste de disciplina e temperança. É necessário tomar distância do dia a dia e olhar para trás, para entender qual foi o desenrolar da história ao longo de outras crises. A expectativa razoável costuma ser menos extrema do que pregam as manchetes de jornal: há sempre algo de diferente em cada caso, mas a mesma dinâmica de ciclos econômicos já foi observada inúmeras vezes. Como disse Mark Twain, “a história não se repete, mas ela rima”. Essa prática se torna mais fácil com o tempo. Hoje, após quase 10 anos investindo através do Ártica Long Term, tendemos a gostar das épocas de crise, por serem justamente os momentos em que conseguimos investir em novas teses a preços muito depreciados. Tendência de agir Executar uma estratégia de investimentos fundamentalista e de longo prazo também é difícil porque nossos instintos são adaptados para reagir rápido a cada novo estímulo do ambiente, e não para navegar através de um ciclo que se desenvolve lentamente ao longo de vários anos. Em épocas de turbulência, a tentação é se movimentar demais. Grande parte dos investidores altera seus portfólios nervosamente, reagindo a cada nova manchete de jornal. Pode até parecer diligente se movimentar a cada novidade, já que é parte do trabalho incorporar novas informações às análises, mas não é todo dia que surge algo que realmente impactará o resultado de uma tese no longo prazo. Na maioria dos casos, o impacto das novidades é superestimado e movimentos desnecessários são feitos, tornando a estratégia de investimentos incoerente e aumentando os custos de transação. Ficar sem fazer nada não é fácil quando isso se opõe aos nossos impulsos. Esperar calmamente turbulências de mercado passarem, observando o desespero e a movimentação frenética do mercado, exige um autocontrole análogo ao necessário para fazer dietas. Emagrecer em tese é fácil e não exige ação alguma: é só não comer. O difícil é ficar quieto passando fome. O meio de contrapor os impulsos instintivos é confiar na racionalidade pura. Sabemos que a economia de um país depende de um conjunto tão grande de agentes, tem uma governança tão complexa e é impactada por tantos eventos aleatórios que não é fácil conduzí-la, de maneira voluntária e planejada, para qualquer direção que seja, para o bem ou para o mal. Salvo pelo efeito dos grandes eventos que acontecem de tempos em tempos, as coisas tendem a se alterar lentamente. Então, há uma certa dissonância em mudar bruscamente de ideia sobre o futuro a todo instante. Escassez de feedback Outra dificuldade vivida por investidores de longo prazo é a baixa quantidade de feedbacks que terão ao longo dos anos sobre suas próprias teses de investimento. Diferente de aprender a tocar um instrumento musical, em que cada erro é imediatamente aparente e uma nova tentativa pode ser feita logo em seguida, uma tese de investimento pode demorar anos para se revelar certa ou errada. Um investidor fundamentalista tipicamente executará apenas algumas dezenas de teses em toda sua vida. Com isso, a possibilidade de aprendizado empírico é bastante limitada, o que torna tentativa e erro um método ruim para aprender a investir. Investir bem requer uma vida quase acadêmica, de estudos contínuos e uma convicção derivada de conhecimento acumulado e racionalidade, que é diferente da convicção que temos ao executar algo que já fizemos centenas de vezes e vimos o mesmo resultado repetidas vezes. É necessário manter essa “convicção acadêmica” para não deixar o lado instintivo predominar em momentos críticos e ser capaz de continuar agindo de maneira racional e consistente. Napoleão Bonaparte dizia que o gênio militar era quem conseguia agir de forma mediana enquanto todos ao seu redor estavam perdendo a cabeça. Acreditamos que essa mesma lógica se aplica ao mundo dos investimentos. Perspectivas para o Ártica Long Term FIA Compramos a maior parte das ações que temos atualmente ao longo dos últimos 5 trimestres, indo em direção contrária ao mercado em geral. Estamos cientes dos riscos macroeconômicos atuais, inclusive exploramos alguns deles em nossas últimas 3 cartas, mas , por termos comprado nossas ações a preços tão baixos, temos boas perspectivas de retorno mesmo que o ambiente econômico demore alguns anos para se recuperar. Como ainda há muita incerteza em relação ao novo governo, em especial ao impacto que suas políticas terão sobre a curva de juros, não é claro se já veremos alguma recuperação ao longo de 2023. No entanto, o Brasil gravita em torno de políticas de centro há algumas décadas, então continuamos considerando este cenário como caso base. A própria reação do público às movimentações não ortodoxas do governo tende a influenciá-lo para que tomem um curso de ações mais brando. De toda maneira, permaneceremos atentos à evolução da economia do país, monitorando se a deterioração prevista por tantos realmente acontecerá, mas sem nos deixar influenciar pelos extremismos de discursos políticos que perduram desde a época das campanhas presidenciais. Continuamos confiantes em relação à qualidade das empresas que temos em portfólio hoje e ao potencial de retorno que elas carregam. Como nossa maior prova de fé, realizamos um volume substancial de novos aportes de capital próprio no Ártica Long Term ao longo de 2022, acompanhados por várias pessoas que já investem conosco há certo tempo e alguns novos investidores que tivemos o prazer de dar as boas-vindas. Enquanto diversos fundos de ações tiveram ondas massivas de resgates, o Ártica Long Term fechou o ano com cerca de R$ 70 milhões em captação líquida. Dia 11/01 faremos uma live via Zoom comentando sobre a carta desse mês. Inscreva-se clicando aqui.
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