In Memoriam: Charlie Munger


Caros investidores,

Na semana passada, em questão de minutos se alastrou por todo o mercado financeiro a notícia do falecimento de Charlie Munger, sócio de Warren Buffett na Berkshire Hathaway, que em um mês completaria 100 anos. A fama vem não só pelo porte da Berkshire, hoje avaliada ao redor de USD 800 bilhões, mas pelo fato de que Warren Buffett e Charlie Munger inspiraram uma legião de investidores atraídos não só pelo sucesso da Berkshire, mas pela filosofia de vida seguida e pregada por eles.

Enquanto Buffett se encaixa mais no estereótipo de um homem de negócios, diplomático em suas manifestações, Munger era mais transparente e direto, não só para deixar claro seus valores fundantes, mas também para criticar abertamente o que ia contra eles.

Essa mistura de honestidade e generosidade intelectual fez com que Munger, mesmo não sendo tão adepto a manifestações públicas, tenha deixado um vasto legado de conhecimento nas gravações das assembleias anuais da Berkshire Hathaway e do Daily Journal (esta última liderada por ele), em uma série de artigos e entrevistas.

Nesta carta, resgataremos algumas das lições de Munger que, ao longo do tempo, mais impactaram a formação tanto de nossa filosofia de investimentos quanto dos nossos próprios ideais de vida. A quem interessar se aprofundar sobre a vida e filosofia de Charlie Munger, recomendamos a leitura do livro Poor Charlie’s Almanack.

As fontes dos erros humanos

Munger dizia que, desde cedo na vida, foi impressionado pelo fato de que tantos erros óbvios eram cometidos pelas pessoas, mesmo aquelas que eram inteligentes e deveriam ser capazes de reconhecer a irracionalidade de seus atos. Isso o levou a buscar entender o que motivava tais falhas, e o que deveria fazer para evitar ser vítima do mesmo destino. Ao longo da vida, acabou se tornando um “colecionador de estupidezes”, seu singelo jeito de se referir às anedotas sobre ações irracionais que chegaram ao seu conhecimento.

O tema é menos trivial do que pode parecer. Na década de 70, surgiram os primeiros estudos acadêmicos sobre o que ficou conhecido como vieses cognitivos, feitos por Amos Tversky e Daniel Kahneman. Em paralelo ao surgimento dessa área acadêmica, hoje razoavelmente conhecida entre investidores, Munger havia desenvolvido seu próprio sistema de identificação de vieses cognitivos. Vários de seus princípios estão condensados em uma palestra ministrada na Universidade de Harvard, intitulada “The Psychology of Human Misjudgment”.

Esse conhecimento tem utilidade dupla. A primeira delas é usar o mapa de vieses cognitivos para interpretar as probabilidades de como as pessoas podem agir diante de decisões de investimentos e de negócios. A segunda é entender a quais deles você próprio está sujeito e aprender a evitá-los, para melhorar a qualidade de suas próprias decisões. Em nossa experiência, os vieses afetam de maneira diferente cada pessoa, de acordo com sua personalidade. Então, é necessária uma etapa inicial de autoanálise, para compreender em que tipos de situações vieses específicos podem lhe influenciar, e eterna autodisciplina para prevenir os possíveis erros decorrentes. O ideal a ser perseguido é ser puramente racional em toda e qualquer decisão.

“As pessoas estão tentando ser inteligentes. Tudo que eu estou tentando é não ser idiota, mas é mais difícil do que a maioria das pessoas pensa.” – Charlie Munger


Modelos mentais


Evitar erros já é um bom primeiro passo, mas Munger defendia que é possível expandir muito nossa capacidade cognitiva através do cultivo de uma série de modelos mentais que sirvam como uma caixa de ferramentas para interpretar a realidade do mundo.

O conceito de modelos mentais é inevitavelmente abstrato: são ideias arquetípicas que funcionam como atalhos para facilitar a compreensão de determinadas situações, como se fossem cadeias dedutivas pré-processadas e que podem ser resgatadas rapidamente para compor linhas de raciocínio mais complexas. Por exemplo, em economia, a noção de que operações industriais em grande escala tendem a ter custos unitários mais baixos é um modelo mental que pode ser imediatamente resgatado sem ter que passar por toda a linha de raciocínio que deduz porque esse efeito acontece.

O ponto principal da filosofia de Munger é que ter poucos modelos mentais não basta. A realidade é complexa e geralmente são necessários múltiplos ângulos de análise para compreender, por exemplo, como um negócio pode se desenvolver ao longo do tempo. Além disso, a realidade não respeita as divisões entre áreas de conhecimento criadas pelos acadêmicos, então é comum que os modelos mentais exigidos para compreender um negócio não estejam relacionados apenas às teorias econômicas, mas também a diversas outras áreas (psicologia, política, física, química, biologia etc.). Assim, é necessário que um investidor esteja disposto a estudar o que for necessário para entender seu objeto de análise, independente de em qual área acadêmica estiver o conhecimento de seu interesse.

O risco de ser muito especializado é perder amplitude de visão. Com seu humor característico, Munger ilustrava esse risco dizendo que “para o homem que só tem um martelo, tudo se parece com pregos”.

“O que você precisa é de uma rede de modelos mentais na sua cabeça. E, com esse sistema, as coisas gradualmente se encaixam de uma forma que expande a cognição.” – Charlie Munger

Círculo de competência


Como saber tudo é um ideal utópico, apesar da disposição para transpor qualquer barreira artificial criada entre os departamentos acadêmicos, é importante ser realista sobre sua própria capacidade de analisar um determinado caso. Ou seja, começar sempre pelo julgamento de se o seu conhecimento atual é suficiente para analisar uma tese de investimentos específica. Essa fronteira de até onde seu próprio conhecimento alcança é o que Buffett e Munger chamaram de círculo de competência.

Para investidores, a primeira recomendação é nunca sair de seu círculo de competências. Ao invés de buscar desenvolver opiniões sobre qualquer coisa, é mais seguro selecionar apenas as oportunidades de investimento sobre as quais você tenha uma compreensão bastante profunda e formar opiniões mais assertivas sobre elas. O restante das oportunidades, que estão fora do seu círculo de competências, deve ser evitado, devido ao risco de interpretações equivocadas causadas pela sua própria falta de conhecimento sobre as especificidades relacionadas ao caso.

Definir o próprio círculo de competências é um exercício de humildade, mas não de conformismo. As fronteiras de seu conhecimento não são fixas, e podem ser expandidas continuamente à medida que se dedica mais e mais tempo a estudos de novos temas. Munger dizia que o truque de Buffett para ser tão bem-sucedido é que ele nunca parou de aprender novas coisas. Mesmo depois de ser extremamente rico e já com idade bastante avançada, continuava estudando e aprendendo.

“Ter consciência do que você não sabe é mais útil do que ser brilhante.” – Charlie Munger

Depuração lenta


Em certa ocasião, Munger criticou a tendência moderna de ter janelas de atenção cada vez mais curtas. Indo na direção diametralmente oposta, ele atribuíia grande parte de seu sucesso à capacidade de manter o foco em um assunto de seu interesse por longos períodos, o quanto fosse necessário para entender em profundidade e absorver completamente cada novo conhecimento.

Apesar da aparente falta de agilidade que essa abordagem pode trazer, investir o tempo necessário para dominar plenamente novos conceitos permite reagir mais rápido às situações que continuamente se apresentam. Buffett disse uma vez: “Charlie pode analisar qualquer tipo de negócio mais rápido e com mais precisão que qualquer pessoa. Ele enxerga qualquer possível fraqueza em sessenta segundos”. O relato ilustra o resultado de uma vida dedicada à depuração paciente e constante de inúmeros modelos mentais.

Munger também dizia “Considere uma ideia simples com seriedade”, ressaltando que a simplicidade por vezes é o resultado do trabalho longo e árduo de entender as verdades profundas do mundo e condensá-las em um formato adequado para manter na memória. Geralmente, as pessoas ignoram o efeito de conceitos simples por julgar que são triviais demais para explicar situações de grande impacto, mas é comum que fatores amplamente conhecidos sejam as variáveis mais determinantes em cenários de negócios.

A própria filosofia de value investing é bastante simples: busque negócios previsíveis e resilientes, espere até ter a oportunidade de comprá-los barato e tenha a paciência de esperar até que o investimento gere seus resultados. Porém, mesmo existindo esse método simples e de sucesso amplamente comprovado, boa parte do público de investidores continua em busca de novos métodos de investimento miraculosos.

“Eu não tive sucesso na vida por ser inteligente. Tive sucesso por ter longos períodos de atenção.” – Charlie Munger


Pensamento independente


Buscar entender pessoalmente os princípios e a lógica por trás de cada opinião, ao invés de simplesmente aceitar que a visão mais popular está correta, é um conceito geral válido para qualquer área, mas especialmente importante no campo dos investimentos. Inevitavelmente, as maiores oportunidades de investimento estarão relacionadas a casos em que um investidor esteja, ao mesmo tempo, correto e contrário à opinião geral do mercado. A inevitabilidade vem do fato de que, se o mercado tivesse a mesma opinião, o preço do ativo analisado já refletiria as expectativas e não mais ofereceria retornos excepcionais. Dessa forma, um investidor que ambicione ter retornos acima da média precisa estar disposto a manter suas convicções em dissonância com a maioria de seus pares.

Aqui vale a ressalva de que ir contra o mercado, pura e simplesmente, não é uma estratégia recomendável. Na maior parte dos casos, a comunidade de analistas e investidores está correta e, por padrão, agir sempre na direção contrária tende a produzir maus resultados. O objetivo deve ser identificar as poucas situações que você é capaz de entender melhor do que a média e agir com convicção quando o mercado estiver contrário à sua própria visão fundamentada.

“Todos estão errados, menos Charlie.” – Charlie Munger

Disciplina e paciência


Por fim, ressaltamos que nenhuma das lições recapituladas aqui são truques ou atalhos que tornem a atividade de investir fáceis. Apesar da simplicidade das recomendações, sua execução exige esforço constante durante longos períodos. Esse é mais um modelo mental que pode ser facilmente incorporado: a verdadeira excelência humana é alcançada através de décadas de dedicação ao autodesenvolvimento, e não através de métodos mágicos que permitem alcançar resultados rápidos. Desenvolver conhecimento vasto depende de milhares de horas investidas no acúmulo de informações na memória e a inteligência humana requer certa lapidação metodológica para ser usada em seu potencial máximo.

Assim, os melhores investidores serão, naturalmente, os que adotarem bons métodos e dedicarem suas vidas aos estudos e autodesenvolvimento constante.

“Para conseguir o que quer, você tem que merecer isso. O mundo ainda não é um lugar louco o suficiente para recompensar um monte de pessoas indignas.” – Charlie Munger


Somos profundamente gratos à Charlie Munger pelo conhecimento compartilhado e exemplo de vida. Que sua memória e filosofia permaneçam vivas ainda por gerações e gerações de investidores.

Confiram os comentários de Ivan Barboza, gestor do Ártica Long Term FIA, sobre a carta desse mês no YouTube ou no Spotify.

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