Ações com compras de insider

Caros investidores,

Uma análise que julgamos bastante relevante para a tomada de decisão de investimento é avaliar o nível de compras de pessoas que conhecem a internamente a operação e os números das empresas – os Insiders. Essas informações são uteis tanto porque os insiders são os que mais conhecem a empresa e, em tese, seriam capazes de estimar com maior precisão o seu valor justo, quanto por que é sempre desejável investir em empresas em que os principais tomadores de decisão estão alinhados com seus acionistas através do investimento do seu patrimônio no negócio.

Na carta desse mês, exploramos o assunto e trazemos algumas pesquisas com base em dados históricos que dão suporte a nossa visão.

“Insiders might sell their shares for any number of reasons, but they buy them for only one: they think the price will rise” – Peter Lynch

1. O que são compras de insider

Insiders é a expressão em inglês para designar pessoas com acesso às informações chave da empresa, tais como controladores, conselheiros e diretores. Por possuírem informações “privilegiadas”, estão sujeitos a regras específicas de negociação – por exemplo, não podem comprar ou vender ações próximos aos anúncios trimestrais de resultados.

No Brasil, instrução CVM 358 regula tais transações e estabelece que elas não podem ser realizadas nos 15 dias que antecedem as divulgações de informações financeiras das empresas e antes da divulgação de fatos relevantes.

Conceitualmente, estariam mais bem posicionados do que o mercado para avaliar o valor de sua empresa, então compras realizadas por eles poderiam indicar quando eles acreditam haver boas oportunidades.

Tais informações podem ter naturezas diversas. Exemplos incluem mudanças temporárias nas condições de negócio (ex.: melhoras na dinâmica competitiva da indústria; crescimento no volume de pedidos de novas mercadorias; aumento de preços; programas de redução de custos) ou melhor avaliação do verdadeiro valor da empresa (ex.: turnaround bem-sucedido em alguma subsidiária que opera com prejuízo; operações de M&A; crescimento dos lucros quando custos de desenvolvimento de novos produtos terminarem).

2. Resultados de pesquisas sobre o tema

Retornos associados a compras de Insiders já foram analisados em diversos estudos acadêmicos ao longo de várias décadas. Em todos os casos, a evidência mostra que, de fato, compras de Insiders tendem a ser bons preditores da rentabilidade futura das ações.

A tabela abaixo apresenta o resultado de 5 estudos realizados nos EUA nas décadas de 1950, 60 e 70. Em todos os casos, as empresas selecionadas para o estudo foram aquelas que apresentaram volumes de compras de insider que excederam significativamente o volume de vendas de Insiders. Foitambémconsiderada uma estratégia de investimento na ação pouco tempo após a divulgação da informação de compra de insider.

Tabela 1 – Retornos de ações compradas logo após a compra de insiders[1]

Alguns dos estudos mais conhecidos sobre o tema de transações de Insiders foram conduzidos nas décadas de 1970, 80 e 90 por Nejat Seyhun, professor na Universidade de Michigan. Baseado em seus estudos, Seyhun publicou um livro sobre o assunto: “Investment Intelligence from Insider Trading”.

No livro, o autor apresenta algumas conclusões interessantes a partir dos seus estudos:

A tabela abaixo apresenta o retorno de ações em comparação aos índices de mercado nos 12 meses subsequentes à divulgação de um evento de compra ou venda de insiders. No estudo, o autor selecionou apenas operações que não tiveram transações conflitantes nos 3 meses anteriores (ou seja, uma empresa com compra de insider que teve venda de insider nos 3 meses antecedentes são excluídas da amostra; idem para empresas com venda de insider).

Tabela 2 – Retornos de ações 12 meses após a compra ou venda de insiders[2]

Além de comprovar os resultados dos estudos realizados anteriormente, a tabela também mostra que operações de compras de insider tem maior valor preditivo que vendas de insiders. O motivo é que uma venda pode ser motivada por diversos fatores que independem dos fundamentos da ação (ex.: necessidades de resgatar os recursos para comprar um apartamento, um carro, realizar um novo investimento), enquanto uma compra será realizada apenas caso o insider enxergue uma oportunidade de ganhar dinheiro.

Os estudos do autor compreenderam o período de 1975 a 1994. Nele, foi possível observar que ao longo de todo o período da amostra, as transações de insider se mostraram bons preditores de retornos futuros, não apresentando qualquer tendência de queda.

Estudos ainda mais recentes continuam apontando na mesma direção. Um artigo de destaque escrito em 2011 por Kaspar Dardas, da European Business School analisou transações de insider no período de Jan/2002 a Dez/2009. O estudo mostrou que compras definidas como de “alta convicção”[3] estavam associadas a retornos em média 20,9% superiores aos índices de mercado nos 12 meses subsequentes à publicação da compra.

Um ponto bastante importante para considerar na análise é o cargo dos Insiders. Nos relatórios divulgados pelas empresas listadas na B3, há uma distinção entre três cargos: diretores, membros do conselho de administração e controladores.

A evidência mostra que os diretores são os que melhor negociam ações de suas empresas, seguidos por conselheiros e controladores, conforme mostrado na tabela abaixo.

Tabela 3 – Retornos de acordo com o cargo do insider[4]

O motivo dessa distinção é a proximidade com as informações. Diretores são os responsáveis pelas principais tomadas de decisão, e se envolvem com atividades críticas para a empresa no seu dia a dia. Conselheiros estão um pouco mais longe da origem das informações, mas participam ativamente das principais decisões estratégicas da empresa. Controladores, por outro lado, muitas vezes tem acesso às informações da empresa através dos diretores ou conselheiros, o que reduz sua vantagem ao negociar ações.

Um finding interessante do estudo é que compras de insider em pequenas empresas tem poder preditivo maior que em grandes empresas, conforme mostrado na tabela abaixo.

Tabela 4 – Retornos de acordo com o tamanho da empresa[5]

Conforme visto na tabela acima, insiders de empresas pequenas conseguem obter ganhos que superam os ganhos de insiders de grandes empresas em impressionantes 4 vezes.

Há duas hipóteses para explicar esse fenômeno. A primeira é que empresas pequenas são menos cobertas pelo mercado, então seu valor de mercado tende a ficar distante do valor intrínseco com maior frequência, conferindo ao insider maiores oportunidades para lucrar com tais desvios. A segunda hipótese é que novos eventos tendem a ser mais representativos em empresas pequenas que nas grandes. Por exemplo, um novo produto que esteja prestes a ser lançado e tenha uma expectativa de lucro anual de R$ 100 MM terá um impacto muito maior em uma empresa que tenha valor de mercado de R$ 1,0 Bi do que em uma empresa com valor de R$ 100,0 Bi.

3. Transações de insider na prática

Para fins ilustrativos, nós compilamos as transações de insider de todas as empresas da bolsa entre Jul/19 até Jun/20 (temos um robô para isso). Os resultados são apresentados na tabela abaixo:

Gráfico 1 – % de empresas listadas na B3 que são compradores ou vendedores líquidos de ações

O que chama a atenção é que a quantidade de empresas com compras de insider aumentou substancialmente nos meses de Março e Abril. Ou seja, os Insiders se provaram ótimos investidores no período inicial da pandemia da covid-19, comprando ações exatamente nos momentos de maior queda na bolsa (provavelmente percebendo que a reação do mercado era exagerada e a pandemia não estava afetando tanto os negócios quanto se temia inicialmente).

Um caso específico interessante que ocorreu em 2020 foi o da empresa Portobello (ticker PTBL3). A partir de Abr/2020, os Insiders da empresa começaram a comprar ações em volumes significativos. O que chamou a atenção foi que a empresa não tinha histórico de compras de insider, e de repente, houve compras tanto dos diretores, quanto de membros do conselho e do controlador. Mais significativo ainda foi que as compras se repetiram por vários meses até Mar/21. O resultado: a ação saiu de um patamar de R$ 2,83 no início das compras e chegou a atingir um valor de R$ 12,00 quando iniciaram as vendas em Abr/21 – valorização superior a 4x em 1 ano.

Gráfico 2 – Compras de insider vs valorização da ação (PTBL4)

Conforme demonstrado acima, transações de insider podem trazer bons insights sobre eventuais oportunidades de investimento. Por isso, buscamos monitorar ativamente tais transações a fim de escolher as melhores ações para o nosso portfólio. Obviamente, uma decisão de investimento nunca é baseada apenas nesse critério, mas saber que os insiders estão comprando ações de suas empresas é um ótimo reforço para nossas teses.


[1] Estudos referidos na tabela são listados abaixo e foram compilados em um artigo da Tweedy, Browne Company LLC:

(1) Donald T. Rogoff, “The Forecasting Properties of Insider Transactions,” Michigan State University, 1964;

(2) Gary S. Glass, “Extensive Insider Accumulation as an Indicator of Near Term Stock Price Performance,” Ohio State University, 1966;

(3) Charles W. Devere, Jr., “Relationship Between Insider Trading and Future Performance of NYSE Common Stocks 1960 – 1965”, Portland State College, 1968;

(4) Jeffrey F.Jaffe, “Special Information and Insider

Trading,” Journal of Business, July 1974;

(5) Martin E. Zweig, “Canny Insiders: Their Transactions Give a Clue to Market Performance,” Barron’s, July 21, 1976.

[2] Fonte: Nejat Seyhun, “Investment Intelligence from Insider Trading”

[3] O autor define compras de “alta convicção” a partir de uma série de parâmetros que incluem o cargo do insider, o volume financeiro e a recorrência da compra

[4] Número de amostras difere da tabela 2 pois estudo da tabela 3 não exclui operações que tiveram transações contrárias nos 3 meses anteriores. Fonte: Nejat Seyhun, “Investment Intelligence from Insider Trading”

[5] Número de amostras difere da tabela 2 pois estudo da tabela 3 não exclui operações que tiveram transações contrárias nos 3 meses anteriores. Fonte: Nejat Seyhun, “Investment Intelligence from Insider Trading”

 

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