Caros investidores,
Nossa última carta falava sobre a dificuldade de prever o cenário macroeconômico e, uma semana depois de publicada, a Rússia invadiu a Ucrânia. A história mostra que guerras são sempre imprevisíveis e cheias de reviravoltas, então qualquer inferência sobre o futuro se torna uma tarefa bastante desafiadora. Nesta carta, gostaríamos de compartilhar nossas reflexões sobre o atual momento e contar a vocês o que temos feito no Ártica Long Term FIA.
A incerteza criada pela guerra
“Névoa da guerra” é um termo militar que representa a dificuldade de ter informações confiáveis sobre o que está acontecendo em meio ao combate e, por consequência, a dificuldade de traçar um plano de ação. Informações novas chegam a todo momento, tanto verdadeiras quanto falsas, e as decisões precisam ser tomadas com uma boa dose de incerteza. Além do conflito militar, guerras também são disputadas no plano econômico. Prejudicar a economia do país inimigo para torná-lo incapaz de manter os elevados custos do conflito militar é uma estratégia clássica que estamos vendo na prática durante a guerra entre Rússia e Ucrânia, em que diversos países do ocidente tomaram a decisão de não se envolver no conflito militar, mas declaradamente entraram em guerra econômica com a Rússia através de pacotes de sanções. Devido ao quão globalizada e complexa a economia é hoje, estas sanções não afetam apenas os países e setores diretamente envolvidos. À medida que quebram elos de cadeias de fornecimento (e estabelecem novos), as sanções têm efeitos indiretos amplos e difíceis de prever, se cascateando para diversas empresas ao redor do mundo que não eram intencionalmente alvos, mas se tornam parte do efeito colateral. Além disso, sanções podem surgir ou desaparecer em curtos espaços de tempo, tornando ainda mais espessa a névoa que se estende também sobre o plano econômico. Estimar a duração, dimensão e impacto econômico de guerras é praticamente impossível, então não faremos nenhum tipo de afirmação neste sentido. No entanto, isto não impede de tentarmos entender o impacto que este cenário de incerteza causa nos mercados, e refletir sobre qual é a abordagem mais racional para cuidarmos de nossos investimentos durante este período.
O medo do desconhecido
Temer o desconhecido é um dos comportamentos humanos primitivos e, em maior ou menor grau, está presente em todos nós. Em diversos estudos, pesquisadores demonstraram que a imprevisibilidade gera desconforto na maioria das pessoas. Em um destes estudos, participantes eram submetidos a um jogo em que os erros causavam pequenos choques elétricos (que não causavam danos, mas doíam) e tinham suas respostas fisiológicas relacionadas ao stress (como alteração no diâmetro das pupilas) medidas pelos pesquisadores. O resultado foi interessante: nos jogos em que os participantes passavam por uma série de momentos em que tinham 50% de chance de receber choques, o nível de stress apresentado era maior do que nas situações em que eram expostos a uma sequência previsível de choques, que ocorriam com 100% de certeza. Apesar de contraintuitivo, pois qualquer chance abaixo de 100% deveria ser melhor do que a certeza de levar choques todas as vezes, é como o instintivo humano funciona. Achamos o assunto pertinente porque nos permite entender que fatores psicológicos afetam investidores profissionais e sofisticados da mesma maneira que afetam as demais pessoas. Em geral, pessoas sofisticadas são menos propensas a admitir quando suas ações são influenciadas por seus medos, mas continuam convivendo com eles. Em momentos de grandes incertezas, as possibilidades que o futuro reserva ficam por conta da imaginação de cada um e as teses mais sombrias costumam ser as que ganham mais atenção. Assim, o comportamento instintivo de um investidor nestes momentos é buscar classes de ativos lhe parecem as mais seguras, mesmo que tenham uma relação de risco e retorno que seria interpretada como desfavorável em situações normais. Há um segundo fator psicológico que entendemos estar contribuindo para o que estamos observando nos mercados.
O viés de disponibilidade
Para se preocupar com algo, primeiro é preciso lembrar que este algo existe. Como nossa memória é muito dependente do número de vezes que recebemos uma informação e do quão recente foram estes contatos com ela, tendemos a nos preocupar muito mais com os assuntos em pauta na mídia, ou que tiveram presença relevante em nosso passado recente de outra forma, do que com todos os outros aspectos do mundo que continuam em curso, mas fora de foco no momento. Esta tendência de superestimar a importância das informações que nos vêm à mente com maior facilidade é chamada de viés de disponibilidade: uma entre várias das tendências cognitivas que desviam o julgamento humano da racionalidade pura. Este viés pode causar exageros tanto em momentos de otimismo, quando só lembramos das coisas boas e negligenciamos os riscos, quanto em momentos de pessimismo, quando damos mais atenção aos riscos e os fazemos parecer maiores do que são de fato. Todo tema amplamente coberto pela mídia acaba provocando o viés de disponibilidade em grande parte das pessoas. Durante a pandemia, por exemplo, muitos se preocupavam mais com o risco imposto pela Covid do que com todos os outros riscos de vida, que não deixaram de existir no mesmo período. Agora, com a guerra entre Rússia e Ucrânia sendo diariamente noticiada, a tendência é que o foco de nossas preocupações se volte para ela. Notem que não estamos subestimando a gravidade de nenhum destes dois eventos, apenas frisando que existe um viés de ampliar o peso dado para estes fatores em relação ao que seria o peso atribuído a eles se fossemos puramente racionais. Agora, vamos à nossa visão de como estes fatores têm influenciado a bolsa de valores.
Um ciclo retroalimentado
Nos últimos meses tivemos vários fatores negativos surgindo quase simultaneamente: i) tivemos a onda Ômicron da Covid, que reaqueceu preocupações e problemas relacionados à pandemia; ii) os juros no Brasil quase dobraram de setembro de 2021 até hoje, estimulando a migração de investidores da bolsa para renda fixa; e iii) foi iniciada a guerra entre Rússia e Ucrânia, que provocou o surgimento de uma série de sanções econômicas. Essas notícias são objetivamente ruins para a economia em geral, então era esperado que causassem reações negativas no mercado. Adicionalmente, temos duas fontes relevantes de incerteza: o desenrolar imprevisível da guerra e as eleições presidenciais se aproximando em meio a um cenário político bastante polarizado. A maneira com que tudo isto se alinhou neste período tende a provocar um ciclo de pessimismo retroalimentado. Este ciclo pode se desenrolar da seguinte forma:
- As notícias negativas provocam uma queda inicial do preço das ações;
- A queda em si gera preocupação em investidores, que passam a dar maior atenção aos riscos a que estão expostos;
- Os elementos de incerteza na guerra e nas eleições tornam difícil mensurar seus impactos econômicos, o que causa medo e angústia nos investidores;
- Defensivamente, muitos migram seus investimentos em ações para outras classes de ativo, pressionando ainda mais o preço das ações;
- A continuidade da queda traz mais atenção da mídia, o viés de disponibilidade se torna cada vez mais presente e o ciclo é retroalimentado.
O tom pode parecer pessimista, mas nossas reflexões buscam avaliar se o pessimismo atual é exacerbado ou não, para que possamos nos posicionar de acordo. Neste sentido, vamos falar brevemente sobre o impacto da guerra nas empresas investidas pelo Ártica LT FIA e, em seguida, comentaremos nossa atual abordagem na gestão do fundo.
O impacto da guerra em nosso portfólio
Arriscamos dizer que este é um dos momentos em que há vantagens em sermos brasileiros. Com o Brasil distante dos campos de batalha, pouco envolvido nos temas geopolíticos relacionados ao conflito e buscando se manter neutro nas relações internacionais, o impacto que sofremos tende a ser limitado. O principal ponto de atenção é no mercado de commodities, que acaba interferindo na estrutura de custos de diversas atividades econômicas. Para o nosso portfólio, prevemos um impacto limitado, pois nossas empresas investidas não consomem grandes volumes de derivados do petróleo (commodities mais afetadas pela guerra), não consomem insumos agrícolas (afetados pelo papel da Rússia no fornecimento de fertilizantes ao Brasil) e tem a maior parte de sua demanda vindo do próprio mercado brasileiro. O possível impacto negativo pode vir em caso de uma alta do preço do aço e alumínio, que são componentes de custo relevantes em algumas de nossas empresas investidas. No entanto, a Rússia hoje representa apenas ~4% da produção global de minério de ferro e ~2% da produção global de óxido de alumínio, então a quebra de fornecimento por ela é muito menos impactante do que no caso do petróleo, em que a Rússia responde por ~12% da produção global. Apesar do impacto limitado da guerra, o preço do nosso portfólio vem caindo nas últimas semanas. Parte da queda certamente está relacionada à alta de juros e à incerteza política brasileira, mas parte dela nos parece ter relação com o efeito das incertezas e vieses que comentamos acima. De toda forma, a queda não é necessariamente ruim para nós. Explicamos a seguir.
Ainda na contramão
Um conceito perfeitamente racional, mas que vai contra os instintos da maioria dos investidores, é que a queda de preço de uma ação é benéfica enquanto ainda estivermos em busca de novas compras (contanto que não seja acompanhada por uma deterioração das perspectivas de resultados da empresa sendo comprada). Um exemplo que ajuda a visualizar o ponto: se você estiver construindo uma casa e planejar comprar materiais de construção ao longo do próximo ano, é melhor que os preços destes materiais subam ou caiam no período? Você vai se sentir melhor em relação às suas compras passadas se os preços dos materiais continuamente subirem, pois todas elas terão sido feitas a preços mais baixos do que os atuais, mas o custo final da casa será maior. No sentido contrário, as compras passadas vão parecer maus negócios se os preços estiverem caindo, pois você teria pagado mais barato se apenas tivesse esperado, mas o custo total da casa será menor. Ainda temos caixa disponível no Ártica LT FIA e somos um dos poucos fundos do mercado que atualmente está com captação líquida positiva neste ano, então a queda de preços é bem-vinda. Sem desprezar a complexidade do momento, rediscutindo nossas teses com frequência e aplicando uma dose extra de cautela em cada decisão, continuamos nos movimentando na mesma direção que comentamos em nossa última carta: estamos comprando ações de boas empresas que nos parecem baratas e nossa equipe continua fazendo novos aportes no fundo. Um último comentário é que nossos melhores investimentos foram feitos quando encontramos oportunidades com fundamentos sólidos e o sentimento geral de mercado estava contra o movimento que fizemos. De certa forma, não poderia ser diferente, pois quando todos estão comprando as ações ficam caras e quando todos estão vendendo ficam baratas, fazendo com que seguir a maioria seja uma péssima estratégia de investimento.
“Be fearful when others are greedy and be greedy when others are fearful.” – Warren Buffet