Caros investidores,
O Brasil tem uma cultura apegada ao empirismo. Aqui se fala que “na prática, a teoria é outra”. Valoriza-se pouco o conhecimento conceitual e muito o truque, o jeito fácil e rápido de alcançar o objetivo, mesmo sem a explicação de como e por que ele funciona. Por consequência, valoriza-se mais a experiência do que a erudição, pois, quanto mais tempo dedicado a uma atividade, maior o repertório de macetes e exemplos práticos colecionados na memória.
Não há nada de errado com o conhecimento prático desenvolvido através da experiência direta. Nada traz mais certeza do que o testemunho direto, mas o método empírico é o mais lento e árduo para se acumular conhecimento. Sem a dedução de princípios gerais que possam servir de base para deduzir aplicações em casos distintos, nosso potencial de ação seria brutalmente reduzido. Seria como buscar decorar o resultado de várias somas em vez de aprender a lógica fundamental que pode ser usada para somar quaisquer números.
É provável que quase ninguém discorde disso. Ainda assim, a maioria deixa os estudos teóricos de lado assim que se distancia do meio acadêmico e adota o empirismo daí por diante. Mesmo em atividades intelectualmente sofisticadas, essa cultura é visível em boa parte dos praticantes. Em investimentos, há traços claros.
O exemplo extremo é o esperançoso day-trader, que acredita que, se passar tempo suficiente assistindo ao movimento de gráficos de preços minuto a minuto e decorar algumas dezenas de padrões gráficos coletados por outros traders, desenvolverá a habilidade de reconhecer sinais que preveem os movimentos futuros de preço e isso será suficiente para gerar retornos consistentes. Outro caso comum, e menos óbvio, é o investidor que passa seus dias tentando se informar sobre tudo o que está acontecendo nas últimas horas, na expectativa de que, se ele acompanhar todos os jornais e se informar sobre todos os fatos e boatos, terá as melhores condições para se posicionar no mercado. Como no caso da experiência prática, estar a par das novidades tem seu valor, mas o foco exclusivo nessa atividade é pouco eficiente e edificante para um investidor. Nossa abordagem é bastante diferente.
O problema do empirismo
A grande dificuldade de projetar os resultados de uma empresa não está em compreender uma dinâmica específica envolvida em seu negócio. A matemática financeira é trivial e relações comerciais entre duas partes tipicamente são simples. O que traz complexidade à análise é que negócios são sistemas abertos e sujeitos a um conjunto muito grande de variáveis. Algumas são conhecidas e facilmente mensuráveis, outras são difíceis de identificar e quantificar. O encadeamento dessas múltiplas relações simples é que acaba formando sistemas bastante complexos com comportamentos difíceis de prever. O problema do investidor é como analisar sistemas desse tipo.
Resgatar da memória um caso similar e assumir que a mesma coisa acontecerá é a abordagem instintiva, mas ela traz uma margem de erro enorme, pois é praticamente impossível identificar duas situações de negócios suficientemente comparáveis para que os resultados sejam replicados. As empresas, ambientes competitivos e contextos de mercado são diferentes caso a caso. Então, as analogias acabam sendo falhas. Identificar o que exatamente faz um negócio ser bem-sucedido é um sonho antigo, mas as tentativas de criar um método fácil e rápido para esse fim nunca tiveram bons resultados. Um caso famoso é o do livro Built to Last (Jim Collins, 1994), que selecionou empresas com desempenho extraordinário nas décadas anteriores à sua publicação e buscou identificar o que as tornava negócios tão bons e sustentáveis. Na década seguinte, cerca de metade delas passou por fases de declínio, invalidando o poder preditivo do que é descrito no livro.
Somos profundamente céticos em relação a qualquer método simples de estimar o futuro de um negócio, já que empresas são entidades complicadas demais para serem descritas por algumas poucas variáveis mensuráveis. Enquanto isso, muitos investidores avaliam empresas por médias de múltiplos de valuation de “negócios comparáveis”, um método que nos parece útil só para exemplos ilustrativos e para detectar distorções extremas. Qual seria, então, uma abordagem melhor?
Análise por primeiros princípios
Qualquer análise parte da fragmentação do sistema avaliado em componentes mais simples, até que se tornem evidentes relações lógicas e repetíveis entre variáveis. A descrição da dinâmica envolvida nesses padrões recorrentes é o que chamamos de primeiros princípios: abstrações gerais que, embora ignorem diversos detalhes, permitem prever o comportamento geral de uma grande variedade de situações semelhantes.
Um exemplo clássico de primeiros princípios são as Leis de Newton, que permitem prever o movimento de corpos no espaço. Embora as previsões feitas a partir delas nunca sejam totalmente precisas, devido à interferência de fatores como o atrito, um engenheiro iniciante que as conheça será capaz de prever com mais precisão os movimentos de um sistema mecânico do que um engenheiro experiente que não tenha o domínio teórico e nunca tenha visto um sistema muito semelhante em ação.
Em negócios, jamais teremos previsões tão precisas quanto as feitas a partir das leis da física, mas a lógica dos primeiros princípios ainda é aplicável em algumas situações. Sabemos que a lei da oferta e demanda fará com que uma barraca que venda água em um ponto turístico no meio do deserto poderá cobrar um preço bastante alto, se for a única com água disponível. Sabemos também que um preço altíssimo não é sustentável por um longo período, caso não exista algo que impeça outras barracas de água de surgirem no mesmo local, pois retornos atipicamente altos sempre atraem competição.
A vantagem dessas inferências simples e óbvias é que são muito mais confiáveis do que as inferências amplas demais, como as do livro Built to Last, que aponta entre os fatores de sucesso o estabelecimento de metas audaciosas e a presença de uma cultura institucional forte. Muitas empresas com cultura forte e metas audaciosas fracassarão terrivelmente, mas, com certeza, a barraca de água monopolista no deserto cobrará caro.
As leis gerais aplicáveis a negócios e estáveis ao longo do tempo são poucas, mas ainda há princípios válidos para setores ou períodos específicos que podem ser úteis em análises de investimentos. À medida que o mundo evolui, alguns deles se tornam obsoletos e outros surgem. Identificar um princípio ainda pouco conhecido é muito valioso, pois traz maior chance de identificar assimetrias de preço ainda não percebidas pelo mercado.
Nosso objetivo é desenvolver domínio sobre o maior número de primeiros princípios que possam nos ajudar nas análises de investimentos. O melhor método de ampliar o repertório é estudar, então dedicamos bastante tempo a leituras e buscamos conteúdos mais variados do que a bibliografia que os profissionais de mercado costumam cobrir. Também buscamos derivar princípios gerais da nossa experiência direta, mas esse é o último recurso, pois aprender através de explicações de quem já fez isso antes é um jeito mais fácil e rápido de absorver conhecimento. Esse é o verdadeiro truque.
A importância de ter foco
O mundo é grande e o tempo de vida limitado. Mesmo adotando os métodos de aprendizado mais eficientes, há um equilíbrio entre amplitude e profundidade do conhecimento desenvolvido. O investidor que deseja conhecer todas as empresas em que pode investir se condena a conhecê-las pouco e aumenta o risco de deixar passar despercebido algum aspecto que pode frustrar suas expectativas. Em tese, o problema poderia ser resolvido com um grande time de analistas cobrindo certos grupos de empresas. Várias gestoras de fundos adotam essa estratégia, mas somos céticos quanto à possibilidade de formar um grande grupo de excelentes investidores que aceitem colaborar e sejam capazes de criar um só portfólio coerente. Entendemos que a decisão de qualidade vem de uma mente que reúne todas as informações pertinentes ao caso e que ter poucas pessoas extremamente dedicadas e qualificadas é melhor do que grandes times, pois a inteligência e a sabedoria dos indivíduos não se somam quando eles se reúnem.
É impossível conhecer tudo em detalhes, mas há uma expectativa de que gestores profissionais se mantenham bem-informados sobre todas as empresas listadas em bolsa. Da mesma forma que os leigos acham que médicos deveriam saber resolver qualquer problema de saúde. Vários gestores buscam atender essa expectativa com uma técnica que é eficiente do ponto de vista comercial, mas ajuda pouco nos investimentos. Memorizam fatos e dados concretos que passam a impressão de conhecimento detalhado. É como se perguntassem se alguém conhece tal homem e a resposta fosse: “Sim, claro que conheço. Tem 48 anos, 1,76m de altura, pesa 82kg, cabelo curto grisalho, chega todos os dias ao trabalho às 8:15, corre no parque Ibirapuera e gosta de lasanha”. A coletânea de dados parece ser resultado de acompanhamento contínuo da rotina, mas pode ser simplesmente a generalização de um dia de observação e pouco útil para julgar qualquer coisa relevante sobre a pessoa. O equivalente no mercado é decorar os números dos demonstrativos financeiros do último trimestre, os nomes de todos os diretores e miscelâneas adicionais.
Preferimos escolher nossas batalhas e aprofundar os estudos em um número de negócios limitado, com a preocupação principal de não deixar riscos passarem despercebidos, pois o custo de um investimento errado é muito alto. É a mesma lógica usada em problemas de saúde: é melhor consultar um médico especialista, pois a consequência do erro pode ser grave. Em tudo aquilo que não nos dedicamos a conhecer bem, apenas admitimos nossa ignorância, o que nos leva ao próximo tópico.
Honestidade intelectual
Os maiores erros são cometidos não pela ignorância consciente, mas pela confiança em uma opinião equivocada, que leva a executar um ato danoso com convicção. Em investimentos, lidamos com análises subjetivas e informações incompletas, então as certezas são muito raras. A arrogância (ou ingenuidade) pode causar prejuízos severos, então o ideal é ser totalmente realista em relação ao domínio desenvolvido sobre cada tema estudado. Embora seja quase um ato de bom senso, a cultura do mercado financeiro é bem distinta.
No mercado, admitir ignorância sobre algum ponto é visto quase como um sinal de incompetência. O analista jovem é treinado para sempre responder com assertividade, mesmo que a resposta inclua estimativas e especulações formuladas na hora. Quem está perguntando não sabe a resposta correta para julgá-lo. Às vezes, a pergunta nem é muito pertinente. Imaginam que é melhor passar uma impressão de segurança do que parecer despreparado diante de alguém. O problema é que somos formados pelos nossos hábitos, e não é desejável incorporar esse tipo de comportamento em analistas de investimentos.
A natureza humana já carrega a tendência de exagerar na avaliação das próprias habilidades para preservar o ego. Um exemplo desse comportamento foi formalmente mapeado em 1981, quando o psicólogo Ola Svenson executou uma pesquisa em que 93% dos motoristas americanos consideravam que dirigiam melhor que a média. Ser realmente sensato exige esforço ativo e certo rigor metodológico. Ou seja, a honestidade intelectual é um hábito que precisa ser cultivado.
Como colocar os bons princípios em prática
Conhecer o método costuma ser muito mais fácil do que executá-lo. O que precisa ser feito para atingir o cume de uma montanha é óbvio: andar ou escalar até chegar lá. Acreditamos que um bom investidor deve complementar sua experiência direta desenvolvendo conhecimento acadêmico e domínio teórico sobre o repertório mais amplo possível de primeiros princípios que possam ser aproveitados em análises de investimentos, com a consciência de que é necessário focar em temas estrategicamente selecionados para atingir a profundidade adequada.
Esse método não traz resultados rápidos. Acreditamos que só a dedicação contínua ao longo da vida é que nos torna investidores cada vez melhores, como acontece na maioria dos ofícios. Inclusive, acreditamos ser necessário manter os bons hábitos intelectuais em nossa vida pessoal, pois não é possível compartimentar a consciência. Quem é disciplinado e racional no trabalho será disciplinado e racional aos finais de semana e, da mesma forma, quem tem vícios na vida privada carregará os comportamentos ruins para a vida profissional.
À primeira vista, pode parecer uma abordagem rigorosa, mas é uma benesse que as mesmas habilidades que precisamos cultivar para trazer bons retornos aos investimentos também sirvam para tornar nossas vidas privadas tranquilas e ordeiras, e vice-versa. Acreditamos que as práticas que descrevemos aqui não têm contraindicações, independentemente da função principal de cada um.