O investidor sentiu os solavancos da mudança de direção política iniciada no domingo (1). O começo do terceiro governo Lula deixou o Ibovespa em uma estrada sinuosa à esquerda e o principal índice da Bolsa recuou 5% nos dois primeiros dias úteis do ano. Já na quarta-feira (4), o mercado subiu 1,1%. O gestor da Trópico Investimentos, Fernando Camargo Luiz, afirmou acreditar que os investidores estão se adaptando ao novo cenário e precificando os riscos. “O temor é que com o aumento da dívida pública haja uma redução da acumulação de capital, o que no longo prazo pode gerar uma crise econômica.” Já quando o foco são as estatais, o receio é de um período sem privatizações — que, vamos combinar, não ocorreu também no governo de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes.

Nesse terreno, Lula discursa para sua plateia. Disse que a gestão anterior dilapidou as estatais e os bancos públicos, o que classificou o fim das privatizações “como uma forma de preservar o patrimônio nacional”. E continuou: “Os recursos do País foram rapinados para saciar a cupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas”. Segundo o coordenador do MBA em digital banking da Trevisan Escola de Negócios, Acilio Marinello, o tom mostrou uma mudança radical. “O mercado entendeu que o governo será mais intervencionista que o esperado.” As falas causaram queda de 8,8% nas ações da Petrobras em apenas dois dias. “O fato do possível presidente da estatal (Jean Paul Prates) afirmar que vai rever a política de preços traz preocupação de ingerência na empresa”, disse.

De acordo com o Camargo Luiz, da Trópico Investimentos, o mercado relembra a política de preços do governo Dilma Rousseff, e também do último ano da gestão Bolsonaro, que pode ser aplicada novamente ao longo deste ano. “Vimos a estatal ser usada como um meio de controlar a inflação, através do controle artificial do repasse dos preços dos combustíveis.” Já sobre o Banco do Brasil a apreensão é em relação ao uso da instituição para fomentar a oferta de crédito com taxas de juros menores, o que pode diminuir os lucros. “O governo brasileiro pode dar uma guinada e passar a utilizar os bancos estatais como a principal ferramenta de expansão do crédito”, afirmou Luiz.

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“O temor é muito mais pelo medo do desconhecido. Nessa hora o investidor prefere sair de papéis ligados ao governo” Rodrigo Cohen, analista e cofundador da Escola de Investimentos.

EXAGERO Por outro lado, alguns especialistas disseram enxergar todo esse temor como uma visão distorcida. É o caso do analista e cofundador da Escola de Investimentos, Rodrigo Cohen. Ele comenta que a escolha de Tarciana Medeiros para a presidência do Banco do Brasil foi positiva. “A escolhida é uma funcionária de carreira, por isso foi uma nomeação técnica e o mercado viu essa notícia com bons olhos”, afirmou Cohen.

Ele explica que toda a tensão dos últimos dias é apenas um reflexo de uma mudança brusca de direção. “É muito mais pelo medo do desconhecido. Nessa hora o investidor prefere sair de papéis de estatais”, disse o analista. Ele afirmou que há uma distorção em relação à Bolsa versus o que o governo fez até o momento. “Há quem diga que o Ibovespa vai voltar para os 70 mil pontos, o que na minha visão é uma ideia catastrófica e totalmente exagerada”, disse Cohen.

O tom do analista remete a outra parte do discurso de Lula, que promete nova âncora fiscal. O presidente também disse que o modelo que será proposto exige compromisso com a responsabilidade e a previsibilidade. “Foi com realismo orçamentário, fiscal e monetário, buscando a estabilidade, controlando a inflação e respeitando contratos que governamos este País”, disse Lula. Tudo isso reflete nos indicadores macroeconômicos. A previsão do mais recente Boletim Focus, estima que a Selic terminará 2023 em 12,25%.

Com isso, os analistas projetam perspectivas melhores para a renda fixa. Na visão do sócio-gestor do Ártica Long Term FIA, Ivan Barboza, os títulos da renda fixa com juros pós-fixados ou híbridos são uma oportunidade. Ele diz que os papéis corrigidos pela inflação podem ser mais atrativos que a renda variável. “A Bolsa está bastante barata, mas só é recomendável se o investidor tiver qualificação técnica para selecionar os bons investimentos nesse cenário adverso”, disse.Segundo os analistas, o ideal é ter cautela, enquanto o mercado se ajusta aos novos tempos. Desse modo, pode-se evitar prejuízos na longa estrada de 2023.