Desde os anos 2000, as startups de tecnologia têm sido um importante motor da economia americana. Na pandemia, as big techs tiveram um crescimento vertiginoso, aumentando a sua influência. Este ano, tudo mudou. Megaempresas como Alphabet (controladora do Google), Apple, Meta (novo nome do Facebook) e Amazon estão sentindo o reflexo da crise global e da subida de juros nos EUA. O tombo do Facebook foi o maior: US$ 68 bilhões em valor de mercado, uma das maiores quedas da história da bolsa americana. Com esse recuo, ele passou o facão e demitiu 11 mil pessoas. As redes sociais como o Facebook e o Instagram (geridos pela Meta) estão entre as plataformas mais atingidas, já que, além de tudo, seu modelo de negócios está mudando. Mas as más notícias atingem o setor de tecnologia como um todo. De acordo com o jornal The New York Times, a Amazon planeja demitir até o fim de novembro 10 mil funcionários. No TikTok o problema é mais específico: o aplicativo chinês pode ser banido dos EUA, já que poderia estar espionando informações pessoais dos usuários americanos.

Não bastasse este cenário econômico caótico, o bilionário Elon Musk piorou a reputação do setor com a compra do Twitter, gerando uma crise na companhia que cresce a cada dia: entre os milhares de funcionários demitidos, vários estariam sendo convocados de volta às pressas e a autenticação de usuários na rede estaria em frangalhos, com pessoas registrando perfis oficiais em nome de Joe Biden e Donald Trump, tuitando absurdos. Como acontece com todas essas empresas, o pano de fundo é a vertiginosa queda no valor das ações. Musk está perdendo US$ 4 milhões por dia, o que fez o bilionário dono da Tesla tentar cancelar a aquisição, sem sucesso. “A falta de governança corporativa e o imediatismo estão levando Musk a errar muito”, afirma Denis Caldeira, hoje conselheiro de empresas e ex-diretor de Pequenas e Médias empresas para a América Latina do Facebook/Meta.

As grandes empresas de tecnologia enfrentam uma tempestade perfeita
TENSÃO Aposta pesada no Metaverso fez Mark Zuckerberg ver seu império ampliar a crise. Investidores estão preocupados com a queda de US$ 4,4 bilhões no lucro (Crédito:Johannes Simon)

De acordo com Caldeira, o que está acontecendo não diz respeito apenas aos EUA, mas sim a uma crise global. Com a redução do apetite dos investidores, principalmente fundos de Venture Capital (VC), empresas tiveram que olhar mais para a eficiência. “O mundo todo está tentando estancar uma inflação por conta da alta do consumo que aconteceu devido a políticas monetárias”, declara. E para colocar ordem na casa, as big techs estão optando por demitir boa parte de seu time de colaboradores. “Acontece que o jeito imediato é enxugar a folha de pagamentos. Para empresas nas quais os maiores ativos são os recursos humanos, acaba sendo relevante para aumentar as margens”, explica o executivo.

A Alphabet, controladora do Google, registrou resultados negativos no último trimestre e viu suas receitas exibirem a taxa de crescimento mais lenta desde 2013. Já o YouTube, pela primeira vez, viu sua receita com publicidade cair 2%, ou US$ 7,1 bilhões. “No caso de empresas maiores como Facebook e Google, eu que trabalhei em ambas por 7 e 6 anos, respectivamente, sei o quanto elas se tornaram ineficientes pelo simples fato de terem margens altas. Parece um paradoxo, mas quanto mais geradora de caixa e margem alta, mais ela pode se dar ao luxo de ‘desperdiçar’”, afirma Caldeira.

“No caso do Facebook e Google, onde trabalhei, sei o quanto elas se tornaram ineficientes pelo simples fato de terem margens altas” Denis Caldeira, ex–diretor do Facebook/Meta

O início da derrocada da Meta, controladora do Facebook, coincide com o anúncio do seu fundador, Mark Zuckerberg, de que a empresa investiria pesado no Metaverso, um montante que já atingiu U$ 27 bilhões. É a maior mudança estratégica de sua história. O que os investidores estão preocupados é com o lucro líquido, que caiu para US$ 4,4 bilhões. A receita também caiu pelo segundo trimestre consecutivo, para US$ 27,7 bilhões. Em carta direcionada aos seus funcionários, Zuckerberg anunciou que demitirá 13% da força de trabalho. Na mensagem, ele assumiu toda a responsabilidade pela crise e revelou que o plano é tornar a Meta “uma empresa mais enxuta e eficiente”.

Ivan Barboza, sócio-gestor da assessoria financeira Artica Asset Management, explica que os altos valores de mercado que várias empresas de tecnologia atingiram dependiam da expectativa de crescimento acelerado e juros baixos. “Esses dois fatores foram frustrados nos últimos 12 meses pelo problema de inflação global”, pontua. Cada uma dessas empresas se vê afetada pelo cenário adverso, com a guerra na Ucrânia sem perspectiva de término, o aumento global de juros e a fuga de investidores. Os resultados da crise podem, inclusive, modificar o equilíbrio de poder entre algumas das maiores corporações do mundo. “Grandes demissões não são um bom sinal para a saúde financeira das empresas”, resume Rodrigo Lima, analista de investimentos da Stake.