O Brasil um ano após as eleições


Caros investidores,

Em outubro do ano passado, escrevemos nossa visão sobre como atuaria o governo Lula no novo mandato. O trecho abaixo traz nossas expectativas da época:

“(…) O maior risco é que Lula acabe com o teto de gastos e volte às políticas de intervenções econômicas, conforme defendeu durante sua campanha, mas acreditamos que a configuração do novo Congresso Nacional e as alianças criadas para ganhar as eleições sejam freios relevantes para políticas nesta direção. Se não impedí-las completamente, deveriam ao menos postergá-las e torná-las mais amenas.

Aliás, com o Congresso Nacional de centro-direita e o presidente de esquerda, as negociações tendem a ser mais lentas e conflituosas, dificultando as ações do Executivo em geral. Por isso, é de se esperar que Lula adote uma postura mais voltada ao centro.”

A previsão se mostrou razoavelmente correta, até este momento, e deriva de uma opinião mais ampla que temos sobre o ambiente político brasileiro: nossa estrutura legislativa é tão complexa e temos bases partidárias tão fragmentadas que é difícil realizar transformações relevantes no país em poucos anos, tanto para o mal quanto para o bem. (explicamos melhor esse ponto na carta de setembro de 2022).

Mesmo assim, os debates públicos continuam calorosos, divididos entre narrativas antagônicas. De um lado, há quem acredite que o país será salvo pela ação governamental mais intensa em programas sociais e, do outro lado, há os que acreditam que entraremos em colapso devido à irresponsabilidade fiscal e má gestão pública. Nossa visão é mais insossa: acreditamos ser mais provável que o país continue seguindo sua média histórica, certamente medíocre, mas longe de catastrófica.

Apesar dessa perspectiva pouco empolgante, lembramos que ter bons retornos investindo em bolsa depende mais de assimetrias entre o preço e o valor real das ações do que de um ambiente econômico exuberante. Nosso retorno histórico médio foi cerca de 30% ao ano durante os últimos 10 anos, embora ter sido um período em que a economia brasileira não foi tão bem-sucedida.

Assim, vamos às nossas impressões sobre os primeiros trimestres de governo Lula e perspectivas para os próximos anos.

Responsabilidade fiscal no fio da navalha

Antes mesmo da posse do novo governo, já surgiram turbulências em torno de declarações sobre acabar com o teto de gastos e aumentar investimentos e gastos públicos, sem detalhamentos sobre as fontes de recursos para implementar tais planos. Somado ao fato de que faz parte da ideologia de governos esquerdistas trabalhar por um estado maior e mais ativo, as declarações provocaram uma grande preocupação no mercado financeiro de que essa linha de ação geraria déficits fiscais em um país já endividado, podendo encaminhar a economia brasileira para um ciclo vicioso de aumento de inflação, de juros e do endividamento público. Como consequência, os primeiros meses após o resultado das eleições foram de pessimismo generalizado.

Em agosto desse ano, o teto de gastos foi, de fato, eliminado e substituído pelo novo arcabouço fiscal. Enquanto a regra do teto de gastos previa que gastos públicos não poderiam crescer em termos reais (o orçamento seria ajustado apenas pela inflação), o novo arcabouço adotou a lógica de que, se a economia do país estiver crescendo, basta que os gastos públicos aumentem em um ritmo mais lento para que o governo tenha resultados positivos e seja capaz de reduzir seu endividamento ao longo do tempo. Assim, foi implementada a regra de que o crescimento real das despesas será equivalente a 70% do crescimento real da receita primária do governo. Contudo, foi estabelecida uma faixa com limites predefinidos para a expansão máxima (2,5% ao ano) e mínima (0,6% ao ano) das despesas. Isso implica que, mesmo em um ano de estagnação econômica, os gastos do governo ainda cresceriam, agravando assim o desafio do déficit fiscal. Em outras palavras, o sucesso desse novo sistema está condicionado ao crescimento da economia brasileira.

Apesar dessa falha estrutural, o arcabouço veio melhor do que boa parte do mercado esperava e acompanhado de metas de geração de resultado fiscal positivo nos próximos anos. O governo tem reforçado seu compromisso com tais metas e o ministro da economia conquistou alguma credibilidade no mercado por seus esforços em busca de maior responsabilidade fiscal. Com isso, o humor geral mudou de pessimista para cético. Embora o risco de déficit fiscal ainda esteja presente, a probabilidade de um cenário de gastos descontrolados por parte de um governo que negligencia a questão parece agora mais remota.

Entretanto, o problema é bastante complexo. Não se trata apenas de determinar se o resultado fiscal será um déficit ou um superávit, mas também de que forma esses resultados serão atingidos. A abordagem mais óbvia seria reduzir os gastos governamentais até que se adequem à capacidade de arrecadação, mas austeridade é sempre uma linha de ação impopular e dificilmente será adotada por um governo que, além de ter a inclinação política oposta, precisa angariar mais apoio popular e aliados políticos para ter maior governabilidade. Assim, a estratégia que tem sido perseguida é a de buscar receitas adicionais para o Estado de todas as maneiras ao alcance do Poder Executivo, flertando com os limites do que é tecnicamente plausível argumentar. Nesse contexto, é esperado que a tensão em torno da responsabilidade fiscal perdure ao longo de todo o governo Lula.

Disputa contra o BACEN

No contexto da meta de superávit fiscal e do arcabouço que exige crescimento econômico para se manter funcional, o governo Lula lançou diversas críticas em relação ao Banco Central e ao seu presidente, Roberto Campos Neto, atribuindo as dificuldades econômicas do Brasil à política de juros elevados. A lógica por trás dessa crítica é bastante clara: as taxas de juros altas dificultam o crescimento econômico e aumentam os gastos do governo com os encargos financeiros da dívida pública. Sendo assim, reduzir os juros seria o caminho mais fácil para ajudar a economia brasileira. Porém, essa solução, como muitas outras soluções simplistas, não leva em consideração outros fatores interligados ao problema e as possíveis consequências indesejadas que podem advir da mesma ação.

O BACEN aumentou os juros para combater a inflação que surgiu após a pandemia e, de modo análogo a um médico que receita que o uso de antibióticos continue mesmo após o desaparecimento dos sintomas, decidiu manter o patamar de juros elevado por mais tempo pelo receio de que uma redução antecipada fizesse com que a inflação voltasse. Como política monetária não é uma ciência determinista, surgiu espaço para muita discussão em torno da necessidade de manter os juros altos por tanto tempo. O governo pressionou politicamente o BACEN por meses, chegando a questionar o mérito de mantê-lo independente do Poder Executivo, mas não encontrou respaldo legislativo para impor sua vontade sobre a BACEN. Desta forma, o plano de aperto monetário foi mantido até agosto, quando foi anunciado o primeiro corte de juros e a intenção de realizar cortes progressivos e lineares, condicionados ao governo manter seu compromisso de responsabilidade fiscal.

Apesar da agitação em torno desse assunto e da percepção de que o compromisso do governo atual com a responsabilidade fiscal pode ser mais resultado da falta de alternativas do que de uma convicção profunda, esse embate destaca claramente como, nos dias de hoje, nenhum presidente brasileiro tem poder de implementar suas decisões sem um amplo apoio de aliados políticos. Sendo assim, várias preocupações que circularam pelos jornais ao longo dos primeiros trimestres do ano não se materializaram. É provável que ainda passemos por um longo período repleto de ruídos políticos e, como deveriam fazer os investidores de longo prazo, nos manteremos céticos sobre a materialização de medidas governamentais extremas.

Ampliação de intervenção em estatais

O Poder Executivo não é tão restrito em todas as suas áreas de atuação. Em algumas áreas, suas decisões são tomadas sem depender de outros órgãos, e nesses casos, enxergamos um maior risco de ações não moderadas. É o caso de intervenções em empresas estatais ou empresas nas quais o governo possua participação relevante, direta ou indiretamente. Nessas situações, o governo vota como acionista, escolhe executivos e decide pela adoção de planos específicos.

Novos executivos e conselheiros já foram indicados para a Petrobras, Caixa Econômica Federal, Previ, Banco do Brasil e para diversas outras entidades menos conhecidas que não receberam tanta atenção da mídia. Várias destas indicações foram claramente políticas, envolvendo pessoas com histórico profissional bem desconectado das atribuições dos cargos que assumiram. Esse tema sempre traz à tona opiniões políticas de cada pessoa, mas o que importa para nós é interpretar o efeito prático dessas ações.

Executivos e conselheiros geralmente são escolhidos pela expectativa de suas contribuições positivas para o negócio da empresa. A prática de escolher pessoas com experiência no ramo se baseia na premissa de que sucesso passado em determinada área é um preditor muito melhor de sucesso futuro na mesma área do que outros critérios possíveis. Assim, interpretamos que o objetivo principal do governo, ao fazer escolhas de pessoas com histórico profissional completamente diferente do que será exigido no cargo, certamente não é buscar o melhor para a empresa. Restam duas alternativas: os eleitos foram escolhidos por sua lealdade a quem os indicou, para tomar medidas de interesse do governo que podem ser distintas dos interesses dos demais acionistas; ou o cargo foi concedido como moeda de troca por alguma contribuição política em outro campo. As duas hipóteses são ruins para quem for sócio do governo nessas empresas.

Diante desse histórico, tanto de intervenções recentes quanto daquelas feitas durante governos de esquerda anteriores, continuaremos exigindo um nível maior de retorno para investir em empresas sob influência estatal, pois os impactos dessas intervenções são muito difíceis de prever e, portanto, requerem uma margem de segurança adicional.

A bolsa brasileira e o cenário global

A questão de intervenções estatais é mais particular ao Brasil, mas os problemas de responsabilidade fiscal e disputas com bancos centrais devido às políticas de aperto monetário afetam diversos países hoje. A raiz do problema foi a maneira como os governos mundiais decidiram agir no contexto da pandemia: as medidas sanitárias afetaram fortemente a produtividade, governos distribuíram dinheiro recém impresso para a população se manter durante a pandemia, a inflação veio como efeito colateral desses dois fatores e, por consequência, diversos bancos centrais aumentaram os juros para combater a inflação, causando um desaquecimento da economia global que perdura até hoje.

Em termos relativos, o Brasil não nos parece em mau estado. Iniciamos a alta de juros cerca de um ano antes dos países desenvolvidos e, como consequência, já iniciamos o ciclo de cortes de juros enquanto esses países ainda estão terminando seu ciclo de alta de juros. Isso quer dizer que estamos mais próximos de retomar o crescimento econômico, o que tornaria nosso país um bom destino de investimentos internacionais na janela de tempo em que outros países ainda não entraram na fase de recuperação econômica. No entanto, no curtíssimo prazo o efeito pode ser inverso.

Por enquanto, nossa economia continua a enfrentar desafios porque o início do ciclo de cortes de juros ainda é muito recente e ainda não causou impactos nos resultados das empresas. Além disso, os investimentos em renda fixa em países desenvolvidos estão se tornando mais atrativos devido ao aumento das taxas de juros nesses locais. Consequentemente, temos observado uma realocação de parte do capital que estava investido no mercado brasileiro para o exterior. Esse movimento de saída de capital na bolsa resultou na queda dos preços e tem mantido uma parcela considerável de investidores com uma perspectiva pessimista. No entanto, temos uma visão diferente.

Preço vs. Valor Intrínseco

Movimentos de capital causados pela atratividade de, por exemplo, títulos do governo americano, tendem a não produzir efeitos tão duradouros, pois os juros se manterão nesse patamar atipicamente alto apenas temporariamente. Além disso, a variação dos juros em mercados internacionais não é um fator predominante nas estimativas de resultados para a maioria das empresas brasileiras. Sendo assim, temos uma situação em que o preço de ações de diversas empresas tem se movimentado por causa de deslocamentos temporários entre classes de ativos, em descompasso com a variação do valor intrínseco das empresas listadas, determinado por sua geração de caixa no longo prazo.

Vale lembrar que o cálculo do valor intrínseco depende de diversas premissas subjetivas que cada investidor adotar, então há uma ampla gama de opiniões a respeito de qual é o valor intrínseco mais adequado para cada empresa. Em tese, o preço representa o ponto de equilíbrio entre as visões de valor intrínseco de todo o mercado, constituído por inumeráveis analistas competentes, mas essa concepção ampla e abstrata se revela imperfeita olhando as coisas mais de perto. Um exemplo ajudará a compreensão desse ponto.

Imagine que um grande investidor institucional tem R$ 500 bilhões sob gestão e decide investir 2% de seu portfólio total (R$ 10 bilhões) no Brasil. Como o investimento representa um pedaço muito pequeno de seu patrimônio total, esse investidor decide não realizar análises aprofundadas nas empresas brasileiras diretamente e escolhe um gestor brasileiro para alocar esse capital nas empresas da B3. Tempos depois, esse investidor decide reduzir sua exposição ao Brasil a 1% e resgata R$ 5 bilhões do fundo brasileiro em que havia investido. Assim, o gestor é obrigado a vender R$ 5 bilhões em ações na B3, independentemente de sua visão sobre valor intrínseco e preço das ações em sua carteira, e contribui para a queda de preço das ações em questão. Mesmo que existam investidores interessados em comprar essas ações após a queda, pode ser que eles não tenham capital suficiente para contrabalancear totalmente o efeito da saída de capital. Em outras palavras, é possível que investidores menores tenham um conhecimento mais profundo sobre uma empresa cujas ações estão sendo negociadas e, mesmo que acreditem que o valor intrínseco das ações é significativamente maior do que o preço após a queda, a decisão de um investidor de grande porte, que talvez nem saiba o nome dessa ação específica em seu portfólio, conduzirá o preço de equilíbrio para baixo.

Esse exemplo tem semelhanças com a realidade da bolsa brasileira, que é um mercado de renda variável de menor expressão global, com cerca da metade do capital investido vindo de investidores estrangeiros. Para muitos desses investidores, o Brasil não é o foco de suas análises, e, portanto, é compreensível que algumas decisões sejam tomadas com menos detalhamento. O importante é reconhecermos essa configuração e evitar a suposição de que o preço das ações no mercado reflete uma avaliação onisciente do valor intrínseco de cada empresa.

Investir é uma atividade lenta

Assimetrias entre valor e preço são a fonte das oportunidades de investimento pois, cedo ou tarde, o preço converge para algo próximo do valor intrínseco e garante bons retornos para quem comprou ações a preços baixos. Porém, é necessário entender que em “cedo ou tarde” há a possibilidade do “tarde”. Essas assimetrias podem se manter por anos a fio. Assim, é necessário ter paciência e entender que os preços podem demorar para convergir mesmo em teses de investimento corretas. Em nossa carta de julho de 2023, contamos sobre algumas de nossas teses que demoraram anos para se provarem corretas, mas acabaram sendo bastante rentáveis.

Outro ponto relevante é que a existência dessas assimetrias não depende de um cenário econômico geral favorável. Pelo contrário, elas costumam aparecer justamente quando o humor de mercado está pessimista. Então, a estratégia de investir em renda variável quando o cenário estiver bom não é necessariamente a melhor. Assim como é mais vantajoso adquirir um carro com um farol quebrado pela metade do preço do que esperar pelo conserto e pagar o valor integral, também é mais sensato investir em ações a preços reduzidos durante períodos de pessimismo do que esperar pela melhoria do cenário, pois as ações ficarão mais caras e as assimetrias entre o valor intrínseco e o preço de mercado podem diminuir ou até desaparecer.

Por fim, é importante manter o próprio humor o mais próximo possível da neutralidade, não importa qual seja o tom das manchetes de jornal. Especialmente porque turbulência política, fragilidade das contas públicas e medidas governamentais questionáveis compõem o cenário normal do Brasil. Durante nossa carreira investindo em bolsa, vivemos poucos períodos de otimismo com a economia brasileira e, mesmo assim, tivemos excelentes retornos.

Confessamos que pode ser entediante esperar o cenário melhorar e se iniciar um novo ciclo de alta de preços, mas investimos em busca de retornos, não de entretenimento.

“Investing should be more like watching paint dry or watching grass grow. If you want excitement, take $800 and go to Las Vegas.” – Paul Samuelson

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