Caros investidores,
Houve uma época em que o acesso a informações era uma grande vantagem competitiva para investidores. Em 1815, enquanto Inglaterra e França travavam a batalha de Waterloo, o banqueiro Nathan Rotschild tinha a própria rede de espiões para acompanhar o desenrolar da guerra e ficou sabendo antes de todos que a Inglaterra havia vencido a batalha.
Tendo essa informação exclusiva em mãos, Nathan Rotschild começou a vender seus ativos na bolsa de Londres. Como todos sabiam sobre sua rede de informantes, deduziram que o motivo das vendas era que a guerra havia sido perdida e começaram a vender suas ações também, iniciando uma onda de pânico e queda rápida dos preços. Em paralelo, o banqueiro deu ordem para que vários agentes seus comprassem diversos ativos a preços descontados. Quando a notícia de que a batalha havia sido vencida chegou a todos, os preços rapidamente se recuperaram e Nathan ampliou sua fortuna subitamente.
Hoje em dia, a manobra não seria tão viável. Grandes eventos são rapidamente noticiados em vários canais de mídia e a diferença temporal que investidores profissionais recebem esse tipo de notícia não é suficiente para constituir vantagem relevante. Além disso, acesso a informações não públicas via redes de espionagem e afins provavelmente cairia na categoria de informação privilegiada, cujo uso para operar no mercado é ilegal. Assim, hoje nos parece que a vantagem competitiva vem menos do acesso à informação e mais da capacidade de, em meio à infinitude de notícias e dados, filtrar o que é relevante e não perder tempo com o resto do ruído diário. Esse filtro passa por ter clareza sobre o que importa para teses de investimentos em bolsa, tema que abordaremos nesta carta.
O que impacta o valor de uma ação
O que determina o valor intrínseco de uma empresa é a expectativa do fluxo de caixa que será gerado por ela ao longo dos anos, descontado pela taxa de retorno que um investidor entende ser adequada para o nível de risco do negócio. Esse é o método do fluxo de caixa descontado, usado como base para a precificação de praticamente qualquer ativo.
Uma característica da aplicação do método é que os fluxos de caixa gerados no futuro distante têm valor menor do que a geração de caixa no futuro imediato, sob a lógica de que um dividendo pago no futuro tem que embutir em seu valor um retorno adequado para todo o tempo de espera, enquanto dividendos pagos imediatamente não exigem nenhuma taxa de retorno pela passagem do tempo. Ou seja, R$ 100 pagos agora valem, naturalmente, os mesmos R$ 100, enquanto R$ 100 pagos daqui a 10 anos, valem hoje muito menos do que isso, pois, considerando uma taxa de retorno de 15% ao ano, R$ 25 investidos hoje se tornariam R$ 100 após 10 anos.
Porém, mesmo que os fluxos gerados no curto prazo tenham um valor maior do que aqueles gerados em anos distantes, o valor total de uma empresa ainda depende substancialmente dos resultados que seu negócio produzirá durante um horizonte de tempo bastante longo. Por exemplo, uma empresa que cresça seus lucros a uma taxa de 8% ao ano (cerca de 3% acima da inflação, no Brasil), quando avaliada com uma taxa de desconto de 15% ao ano, tem em seu primeiro ano de resultados apenas ~6% de seu valor total. Nos primeiros 5 anos, estaria ~27% do valor total do negócio e, nos primeiros 10 anos, 47% do valor total. A conclusão desse exemplo é bastante simples: o resultado do próximo ano importa pouco para o valor intrínseco de uma empresa. Logo, o do próximo trimestre importa menos ainda.
Apesar da conclusão, é comum ver o preço de uma ação se movimentar vários pontos percentuais por causa de um resultado trimestral acima ou abaixo do que era esperado pelo mercado, ou por causa de alguma notícia sobre política ou macroeconomia. O que causa essas oscilações de preço é o fato do mercado, à luz da nova informação, ajustar suas projeções de resultados futuros. Ou seja, o fato de uma empresa ter apresentado resultados ruins em um dado trimestre, por exemplo, faz com que vários investidores reduzam as expectativas de resultados para seu negócio nos diversos anos vindouros. Realizar o ajuste faz sentido, pois é necessário incorporar novas informações nas análises de investimentos, mas muitas vezes seu impacto é exagerado e nos interessa entender por quê.
Por que tanta atenção ao curto prazo
Por trás da volatilidade de preços no mercado está um foco exagerado no curto prazo que, por sua vez, é resultado de uma coalizão de fatores pressionando investidores e agentes do mercado financeiro a manter sua atenção nos acontecimentos próximos.
Um dos principais fatores é a pressão dos clientes finais (investidores individuais), sobre os agentes encarregados de cuidar de seus investimentos (gestores de patrimônio ou gestores de fundos), para produzirem retornos rápidos e evitarem volatilidade no valor de seu portfólio. Apesar da maior parte dos gestores profissionais entender que investir em bolsa é uma atividade de longo prazo, entre seguir sua crença verdadeira e fazer a vontade de seus clientes para garantir que continuarão sendo seus clientes, a grande maioria prefere a segunda alternativa. Assim, acertar os movimentos de preço de ações nos próximos meses se torna o objetivo de grande parte dos profissionais atuantes no mercado.
Como um desdobramento dessa dinâmica, prever o curto prazo também se torna o objetivo que promete mais sucesso comercial. Por exemplo, o analista de research que acerta o resultado de uma empresa no próximo trimestre geralmente recebe mais louros de seus pares e clientes do que aquele que acerta o estado final de uma empresa daqui a 5 anos, já que a janela de tempo é ampla demais para que a previsão ainda esteja na memória dos observadores. Além disso, 5 anos possuem 20 trimestres, que são 20 oportunidades para o analista de curto prazo elaborar e propagandear novas teses, enquanto manter a mesma tese durante 5 anos rende muito menos pautas para conversas interessantes com clientes.
Por fim, o fato de que o longo prazo é muito mais incerto também contribui para essa atenção demasiada ao curto prazo, visto que a mente humana não gosta de incertezas e busca artifícios para escapar da necessidade de admitir sua ignorância (que também traz pouco sucesso comercial). Assim, há um forte viés de gastar a maior parte do tempo analisando os acontecimentos recentes, projetar o futuro breve com maior cautela e assumir que o futuro distante será simplesmente uma extrapolação deste breve passado e curta projeção, com uma linha de continuidade que é intelectualmente confortável aceitar.
O problema da prática de focar exageradamente no curto prazo e projetar o longo prazo através de extrapolações é que ela amplifica demais o peso dos fatos recentes. Se uma empresa cresceu rápido durante alguns trimestres, por exemplo, o simples ato de assumir que a receita do último ano é a melhor base de partida para aplicar uma taxa de crescimento média dali para a frente pode superestimar o valor do negócio. Se o investidor assume que o ritmo de crescimento continuará acelerado, a supervalorização pode ser ainda maior. A mesma dinâmica se aplica para novidades negativas e, como consequência do exagero nesses ajustes baseados em fatos recentes, os preços se tornam mais voláteis do que deveriam, dado que não seria esperado que projeções para décadas de resultados oscilassem tanto trimestre a trimestre.
Algo interessante é que um estudo sobre psicologia (McClure, Laibson, Loewenstein and Cohen, 2004) descobriu que o cérebro humano tende a valorizar mais recompensas imediatas (e.g.: ações subindo no curtíssimo prazo), percebidas pelo sistema límbico, do que recompensas maiores e diferidas (e.g.: expectativas de retorno em investimentos de longo prazo), percebidas pelo sistema frontoparietal, porque o sistema límbico tem a habilidade de sobrepor o sistema frontoparietal, especialmente em situações de stress. Ou seja, quanto mais sob stress as pessoas estão, mais valor elas atribuem ao curto prazo. Isso ajuda a explicar por que tanto foco no curto prazo por parte dos investidores durante os períodos de crise econômica.
Qual é o foco adequado
Pacificado o ponto de que o curto prazo tem relevância limitada para teses de investimento em ações, resta o problema de como lidar com o a imprevisibilidade do futuro distante. Um primeiro passo é entender que nem tudo pode ser projetado com assertividade suficiente para servir de base para uma tese de investimentos com boa probabilidade de sucesso.
Dentre esses fatores difíceis de prever, alguns são bastante importantes para um negócio (por exemplo, o preço do petróleo para petroleiras), mas é vital manter em mente que o nível de importância de algo não tem correlação com sua previsibilidade, e há vários fatores no mundo que continuam imprevisíveis por mais que se dedique esforços para elaborar projeções intelectualmente elegantes. A armadilha é acreditar que a complexidade e elegância das previsões aumentam suas chances de estarem corretas.
Por exemplo, há alguns anos, se falava em um super ciclo de secas no Brasil, que afetaria o setor elétrico e o agronegócio. Na época, as chuvas estavam abaixo do nível normal há anos, os reservatórios das geradoras de energia estavam baixos e o agronegócio sofria por falta de chuvas. A projeção era coerente com o que vinha acontecendo e sustentada por longas análises meteorológicas. Nos anos seguintes, se iniciou um ciclo de chuvas fortes que encheu reservatórios, gerou supersafras e apagou da memória as teses de secas prolongadas. Esse é apenas um exemplo de várias previsões elaboradas que vimos se provarem diametralmente erradas ao longo do tempo.
Aceito o fato de que a maior parte do futuro é irremediavelmente imprevisível, o trabalho do bom investidor é encontrar os poucos pontos que são, ao mesmo tempo, importantes para o sucesso de um negócio e possíveis de prever com confiabilidade razoável. Para isso, costumamos começar estudando um longo período passado. Não basta olhar resultados de um negócio nos últimos 2 ou 3 anos. Queremos avaliar como a empresa se comportou nos últimos 10 a 15 anos e buscar em seu passado os pontos que permaneceram inalterados ou que evoluíram de acordo com uma lógica compreensível o suficiente para estimar como continuarão evoluindo.
No famoso caso de investimento do Warren Buffet na Coca-Cola, um fator relevante foi a compreensão de que as pessoas criam fortes hábitos de consumir sempre as mesmas bebidas. Curiosamente, não gostamos de comer as mesmas coisas todos os dias, mas costumamos beber as mesmas coisas por anos e anos a fio. Assim, é razoável assumir que a demanda por bebidas da Coca-Cola é bastante resiliente e, por consequência, seu nível de receita também. Esse é um exemplo de fator estável o suficiente para prever sua continuidade no futuro.
Nenhuma previsão é precisa
Notem que, mesmo no exemplo da Coca-Cola, a estabilidade da demanda se mantém apenas em janelas de tempo longas. Ou seja, a receita da Coca-Cola não é completamente estável trimestre a trimestre, ou mesmo ano a ano. Todo negócio tem suas oscilações ao longo do tempo. Então, prever resultados trimestrais não só é um objetivo difícil, mas é também desnecessário. Não é isso que realmente importa.
Inclusive, estabilidade de curto prazo não é sequer uma condição para constituir um bom negócio. Um exemplo é nosso próprio caso de investimento na Whirlpool, empresa dona das marcas Brastemp e Consul e da qual somos acionistas há mais de 10 anos. Como eletrodomésticos têm uma longa vida útil, não são itens de consumo recorrente. Assim, sua demanda é cíclica, variando com condições macroeconômicas e ciclos de lançamentos imobiliários (as pessoas compram eletrodomésticos quando mudam de casa). Apesar da demanda instável, a Whirlpool não registra prejuízos há mais de 20 anos. Sua margem de lucro oscila entre patamares altos e baixos, mas a rentabilidade média é bastante atrativa e estável em períodos longos, o que nos garantiu ótimos retornos ao longo da última década, mesmo com a ampla instabilidade macroeconômica que o Brasil atravessou nesse período.
Cada variável tem um prazo adequado para fazer estimativas com confiabilidade razoável, que deve ser longo o suficiente para garantir um espaço amostral necessário para que a estatística utilizada nas previsões seja aplicável, seguindo a lógica de que é mais fácil prever o resultado do lançamento de 1.000 dados do que o resultado de 10 lançamentos, mas não tão longo a ponto de introduzir o risco de aspectos qualitativos mudar tanto nesse período que a lógica das projeções se torne inadequada. Em nossa experiência, o período ideal para projeções de resultados de negócios costuma ser de alguns anos.
Por que um horizonte longo é adequado
Pelo curtíssimo prazo ter baixa relevância para o valor de um negócio e pelo período de maior assertividade para projeções quantitativas costuma envolver alguns anos, entendemos que um horizonte de tempo adequado para elaborar previsões explícitas é de 5 anos. Esse período não é aplicável a todos os casos, pois há negócios que são previsíveis por um tempo maior (empresas de concessões rodoviárias, por exemplo) mas é uma boa referência de prazo que une previsibilidade razoável e relevância para o valor intrínseco de uma empresa sob análise.
Por consequência, quando investimos em uma nova empresa, tipicamente estamos dispostos a manter suas ações em portfólio por vários anos. Podemos vender a posição mais rápido se o preço subir a ponto de superar o que entendemos ser o valor intrínseco do negócio ou se nossa tese de investimentos cair por terra por causa de algum acontecimento contrário ao que esperávamos, mas julgamos importante ter as expectativas calibradas corretamente: a maior parte das teses demora para nos entregar os retornos previstos inicialmente, e o momento exato que isso acontece é imprevisível.
No meio tempo, entre o investimento inicial e a decisão de vender, é preciso recordar que o preço e o valor intrínseco de uma ação são variáveis distintas e nem sempre caminham juntas. Já falamos longamente sobre isso em outras ocasiões e estamos em boa companhia na posição de atribuir pouca importância aos preços de uma ação ao determinar seu valor real. Benjamin Graham usava a analogia do Mr. Market, um personagem bipolar que oferecia preços completamente diferentes para os mesmos ativos ao longo do tempo, dependendo de seu estado de humor momentâneo, e Warren Buffet ecoa o mesmo conceito, dizendo que o mercado está lá para nos servir, e não para nos instruir. Ambos advogam que investidores deveriam tomar decisões com base em uma avaliação independente do valor intrínseco de cada negócio, e não com base nas oscilações de preço e suas ações no mercado.
Esse é um conceito simples, que quase todos concordam e pouquíssimos efetivamente praticam, pois as oscilações de preço diárias afetam o psicológico da maioria das pessoas. A melhor forma de lidar com isso é comprar ações com a intenção real de mantê-las em portfólio por um prazo longo. Quando compramos um carro, por exemplo, dificilmente pretendemos vendê-lo alguns meses depois com lucro. A decisão de compra é baseada na expectativa de uso ao longo de vários anos. Assim, se o mercado oferecer metade do preço que você pagou pelo carro no mês seguinte, dificilmente você tomaria a decisão de vendê-lo porque o preço caiu (o famoso “stop loss”) e simplesmente continuaria usando seu carro, com algum pesar por não o ter comprado um mês depois pela metade do preço. De forma análoga, compramos ações com a expectativa de receber certo fluxo de caixa ao longo do tempo (este é o “uso” pretendido). Enquanto o negócio continuar capaz de gerar o fluxo de caixa esperado, o racional da compra se mantém.
A vantagem de focar no longo prazo
Por mais óbvia que a abordagem que descrevemos nos pareça, é um estilo de investimento que enfrenta pouca competição. Enquanto a maioria dos investidores se mantém fissurada com o curto prazo e sofrendo as oscilações de humor caricaturadas no Mr. Market, preferimos manter a atenção em horizontes mais longos e reagir com menos intensidade às novidades do dia a dia que, em sua enorme maioria, provam ser apenas ruído, sem efeito relevante no longo prazo.
Apesar da nossa posição, preferimos que o mercado continue se comportando da mesma maneira, com foco preponderante no curto prazo e provocando oscilações de preço exageradas, pois são justamente essas oscilações que geram as oportunidades de investimento que buscamos aproveitar ao longo do tempo. Felizmente, a continuidade desse comportamento não parece sob risco algum.
Porém, esperamos identificar, ao longo do tempo, pessoas que sigam uma filosofia de investimento similar à nossa e possam se tornar parceiros de investimento para as próximas décadas. Até o momento, temos o privilégio de contar com uma base de investidores bastante alinhada com nosso estilo de gestão, que já atravessou conosco períodos de turbulência e teve a paciência necessária para colher bons retornos.
Seguimos otimistas para os próximos anos, devido à qualidade dos negócios que temos hoje em portfólio e aos níveis de desconto que o preço atual de nossas ações contém, quando comparados com nossas estimativas de valor intrínseco. Ao longo de nossos 10 anos de investimentos, em poucos momentos o preço de nosso portfólio ficou tão descontado quanto está agora.
Confiram os comentários de Ivan Barboza, gestor do Ártica Long Term FIA, sobre a carta desse mês no YouTube ou no Spotify.