Eleições 2022: Lula ou Bolsonaro?

Caros investidores,

Como é de costume em eleições presidenciais, quase todas as discussões públicas sobre política giram em torno de quem será o próximo presidente. Enquanto isso, os cargos do Congresso Nacional, que determinam em grande medida o que serão ações possíveis do futuro presidente, ocupam um distante segundo plano na preocupação popular.

Essa falta de atenção aos cargos legislativos parece derivar de duas razões: a primeira é a menor concentração de poder na mão de uma só pessoa (seu candidato a deputado seria 1 entre 513, e seu candidato a senador 1 entre 81); a segunda razão é a falta de compreensão de como atua o poder legislativo, em especial a dinâmica de sua interação com o poder executivo.

Assim, resumiremos os principais aspectos da interação entre o presidente e o Congresso Nacional antes de compartilhar nossa visão do que nos aguarda nos cenários de Bolsonaro ou Lula vencendo a eleição.

O que faz o Presidente da República

Daremos foco às atribuições do presidente brasileiro que têm maior impacto na economia do país.

A primeira delas é a função de chefe de Estado, em que o presidente lidera a agenda diplomática do país e o representa perante outras nações, interferindo diretamente nas alianças políticas que o Brasil manterá com outros países durante seu mandato, o que reverbera nas atividades de comércio internacional e na atração de capital estrangeiro para investimentos em nosso país. Um exemplo recente do exercício dessa função foi a negociação de Bolsonaro com Putin para garantir o fornecimento, pela Rússia, de fertilizantes necessários às atividades agrícolas do Brasil.

A segunda parte do papel do presidente como chefe de governo, é o direito de nomear e exonerar ministros, sem a necessidade de aprovação do Congresso Nacional. Assim, o presidente é quem define a equipe responsável pela gestão cotidiana dos temas sob responsabilidade do governo federal e, direta ou indiretamente, decide de que forma será usado o orçamento aprovado para o governo federal.

O presidente também tem o poder de interferir diretamente em empresas controladas pela União, como é o caso da Petrobras, que passou por sucessivas trocas de CEO sob interferência direta de Bolsonaro ao longo de seu mandato.

Em outras atribuições chave, o presidente já passa a depender de aprovações do poder legislativo, o que tornará clara a importância de ter uma base de apoio no Congresso Nacional.

Em que o presidente depende do Congresso Nacional?

Para o bem e para o mal, a administração pública é obrigada a seguir um conjunto de leis bastante amplo.

Apesar de indicar seus ministros, o presidente não pode criar ou extinguir ministérios e outros órgãos de administração pública sem a aprovação do Congresso, então ele é obrigado a governar com uma estrutura organizacional pré-fixada se não tiver o apoio do Legislativo.

O poder executivo também depende bastante do Congresso Nacional para gerenciar as finanças da União. As receitas do governo são derivadas, principalmente, da cobrança de impostos, que é feita de acordo com a legislação tributária aprovada pelo Congresso. O Poder Executivo tem alguma autonomia para alterar alíquotas de certos tributos (impostos sobre importação e exportação, IOF, IPI e impostos sobre combustíveis), mas qualquer outra ação relevante na esfera fiscal depende da criação ou alteração de leis e, assim, necessita de apoio do Congresso.

Por sua vez, o uso das receitas da União deve respeitar a Lei de Orçamento Anual (LOA), que considera uma estimativa da receita da União para o exercício fiscal seguinte, fixa quais devem ser as despesas do governo e é aprovada anualmente pelo Congresso. A LOA, por sua vez, deve ser feita de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que determina as prioridades de gastos do governo e também é aprovada pelo Congresso. Já a LDO, deve respeitar o Plano Plurianual (PPA), que determina as metas da administração pública para um prazo de 4 anos e também precisa ser aprovada pelo Congresso.

Em resumo, as receitas da União e a destinação dos recursos arrecadados são profundamente influenciadas pela ação do Congresso Nacional. A LOA, em especial, limita muito as decisões de gestão que o Poder Executivo poderia tomar, pois impede a realocação de recursos entre diferentes temas de interesse público. Por exemplo, o governo não pode usar capital destinado ao transporte na LOA para investimentos em educação sem a aprovação do Congresso, independente do contexto. A rigidez orçamentária impede o uso indiscriminado de recursos, mas também pode causar situações incoerentes. De maneira caricata, é como se, diante de uma grande alta em preços de alimentos, você tivesse que passar fome, mas ainda assim fosse viajar no final do ano, pois não pode haver realocação de recursos do orçamento de turismo para o de alimentação.

Efeito prático de nosso sistema de governo

No geral, o presidente consegue fazer pouca coisa se não tiver o apoio da maioria dos deputados federais e senadores ao longo de seu mandato. Desta forma, o presidente é praticamente obrigado a negociar com o Congresso e ceder no que for necessário para garantir seu apoio, ou terá suas mãos atadas para implementar qualquer mudança com impacto relevante para o país.

Sob esta dinâmica, a composição do Congresso Nacional influencia muito na direção que cada governo tomará, pois determina quais propostas do presidente serão aceitas e poderão ser executadas. Por isso é que a eleição de nossos deputados e senadores, tão ignorada pelo público geral, merece mais atenção. Os eleitores deveriam, inclusive, ter o cuidado de votar em uma chapa coerente, em que seus candidatos a senador e deputados tenham alinhamento ideológico com seus candidatos a presidente e governador. Do contrário, estão votando por um governo disfuncional, em que os poderes executivo e legislativo se digladiarão ao longo de todo o mandato.

Deixando a utopia do que deveria ser feito de lado, a composição atual (e histórica) do Congresso é bastante fragmentada. Na Câmara dos Deputados, o partido com maior representação (PL) tem 15% dos votos. No Senado, o mais representativo (MDB) tem 16% dos votos. O número mínimo de partidos que deveriam se alinhar para atingir maioria absoluta, assumindo que todos os membros desses partidos votem em conjunto, seria de 5 partidos tanto na Câmara quanto no Senado.

A gravidade puxa para o centro

Devido a essa estrutura fragmentada do Poder Legislativo brasileiro, com o Congresso Nacional constituído por deputados de 23 partidos e senadores de 17 partidos diferentes, surgiu a prática chamada de presidencialismo de coalizão, em que o governo cria uma aliança política com um conjunto de partidos suficiente para que seja alcançada, na Câmara e no Senado, a maioria necessária para aprovar seus projetos de lei e propostas orçamentárias.

Esse modo de governar sempre provoca críticas, mas é um sintoma do contexto político em que o presidente depende do Congresso para governar e o Congresso é tão fragmentado. É a saída pragmática respaldada no conceito de que “política é a arte do possível” e que alimenta o chamado “centrão”, um grupo de políticos que deixam o idealismo de lado e se concentram em costurar acordos para conseguir aprovações no Congresso, com motivações por vezes questionáveis.

Nesse ambiente político, as pautas mais puristas, sejam elas de direita ou de esquerda, acabam não sobrevivendo às tramitações no Congresso. Vão sendo diluídas por destaques, emendas e vetos parciais até que consigam agregar votos suficientes para serem aprovadas. Assim, quaisquer futuras reformas provavelmente serão lentas, devido ao tempo que leva articular com diversas lideranças políticas com interesses distintos, e moderadas, por causa desse processo de diluição ligado às concessões para angariar votos.

Bolsonaro vs. Lula

De acordo com as pesquisas recentes, o eleitorado está bastante dividido entre direita e esquerda. Assim, a base do Congresso deve continuar fragmentada e dependente de vários partidos de centro para agregar a maioria dos fatos. Com esta premissa e a dinâmica do sistema político brasileiro que privilegia o status quo, entendemos que qualquer um dos dois presidentes terá que governar através de coalizões, com baixa probabilidade de conseguir implementar as propostas de campanha da forma que seus eleitores esperam. Isso diminui bastante a diferença entre os cenários com um ou outro presidente.

De toda forma, com Bolsonaro, e Paulo Guedes como Ministro da Economia, é esperado um governo mais liberal e favorável à economia de mercado, prezando pelo enxugamento da máquina pública e confiando ao setor privado a missão de promover o desenvolvimento econômico do país.

Com Lula, que ainda não indicou quem ocuparia seu Ministério da Economia, a expectativa é de um governo que busque fortalecer a máquina pública e trace um plano de desenvolvimento econômico impulsionado por políticas de estímulos governamentais.

Nas empresas estatais, o governo de Bolsonaro provavelmente seria menos intervencionista (apesar do histórico com Petrobras) e buscaria novos movimentos de privatização, como vimos acontecer com Eletrobrás. Já o governo de Lula provavelmente seguiria seu histórico de usar estatais como braços do governo para executar políticas de interesse público, o que poderia fazer com que essas empresas fossem guiadas por motivações diferentes do interesse puro de seus acionistas privados.

Nossas expectativas

Independentemente do presidente vencedor, não esperamos grandes avanços na macroeconomia brasileira. Ao longo de nossa carreira como investidores, tivemos um período muito curto de mercado entusiasmado com o Brasil. Nossa normalidade, infelizmente, são as épocas de crescimento tímido ou de crises. Assim, buscamos nos posicionar em negócios que sejam capazes de continuar saudáveis mesmo nesse ambiente difícil. Qualquer futuro melhor seria uma grata surpresa.

Apesar desse ceticismo, entendemos que seria positiva a continuidade do curso de ação adotado por Paulo Guedes, que enxergamos como um bom Ministro da Economia. Nesse sentido, a vitória de Lula traz a incerteza de se teremos um bom ministro ou não. Há um aceno para Henrique Meirelles, que entendemos como um potencial bom ocupante do cargo, mas há uma rejeição dele, por parte da base do PT, que torna incerta sua indicação. Entretanto, nos parece que Lula tem a preocupação de não desagradar o mercado e deveria evitar indicações muito polêmicas.

No caso da vitória de Lula, há mais risco de intervenções políticas em estatais, que podem destruir valor para seus acionistas. Assim, estamos evitando alocar muito capital nesse tipo de empresas. Hoje temos apenas um pequeno percentual do portfólio em CELESC, distribuidora de energia elétrica de Santa Catarina controlada pelo governo estadual, mas que tem a EDP como acionista minoritária relevante, atuando como um contrapeso ao controlador e advogando pela gestão técnica da empresa. Além disso, compramos essas ações a um preço bastante atrativo, o que limita consideravelmente o risco desse investimento.

Olhando para o lado meio cheio do copo, o Brasil hoje está mais bem posicionado do que vários outros países de economia desenvolvida. Além disso, as dificuldades recentes é que causaram a queda da bolsa e nos permitiram investir em novas teses a preços baixos. Em meio a crises, sempre surgem oportunidades.

Por fim, reforçamos a importância de que escolham bem seus candidatos a senador, deputado federal e deputado estadual. Nestas eleições, desejamos boa sorte a todos nós e ao nosso Brasil!

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