Como separar o joio do trigo


Caros investidores,

Cada temporada apresenta um desafio diferente para os investimentos em bolsa. Quando os mercados estão em alta, em clima de euforia, o risco é se unir ao otimismo geral e pagar caro demais pelas ações. Especialmente porque a percepção do que é caro ou barato se altera lentamente quando o preço de tudo sobe por um período longo. Alguma ação menos cara pode ser confundida com uma verdadeira barganha. Hoje, não é essa a dificuldade que estamos vivendo.

As ações brasileiras estão baratas há tempos. Pouca gente discorda da afirmação, mas a maioria ainda prefere não comprar por receio de quanto ainda demorará até que a bolsa volte a subir. Nós temos uma visão diferente. Acreditamos que não é possível prever de modo confiável inflexões de tendências e preferimos manter o capital de nossos fundos alocado em ações nesse momento. De toda forma, a decisão de alocar capital em bolsa é menos relevante do que a seleção de em quais empresas investir. O que nos leva a questão principal: como selecionar o que comprar nas temporadas de baixa?

Olhando puramente para os preços atuais e comparando-os com suas médias históricas, há uma porção de ações aparentemente atrativas. Porém, o ambiente macro responsável por todo o pessimismo no mercado gera riscos reais para os negócios no Brasil. Então, o desafio hoje é identificar os negócios de alta qualidade cujas ações caíram junto com o resto da bolsa, mas que resistirão ao ambiente desfavorável e continuarão gerando bons resultados ou estão bem posicionados para capturar a retomada de mercado, que virá cedo ou tarde.

Não há uma resposta determinista sobre como fazer isso. Cada investidor desenvolve suas práticas particulares, mesmo que sigam filosofias de investimento iguais. Descreveremos os princípios gerais dos métodos que adotamos para selecionar nossas teses de investimento.

Triagem de ideias de investimento

Procurar boas oportunidades de investimento é uma atividade de garimpo. Precisamos mover muitas pedras para encontrar pouco ouro. As fontes de ideias são múltiplas: mapeamentos de empresas que atendam certos critérios quantitativos, notícias de jornal, conversas com profissionais de mercado, grandes compras de insiders (executivos, conselheiros ou controladores da empresa), ciclos setoriais que acompanhamos ao longo dos anos. Porém, não há um jeito rápido e fácil de identificar boas oportunidades. Quando começamos a analisar um negócio qualquer, já sabemos que a chance de investirmos nele no final do processo é mínima. É mais provável ser pedra do que ouro.

A eficiência do trabalho é bastante dependente de descartar rapidamente as oportunidades ruins. Logo depois de identificar um negócio que parece interessante, verificamos se há algum grande problema nele. Se houver, a tese já pode ser deixada de lado sem gastar tempo avaliando o lado bom da empresa. Existe sempre a possibilidade de que estejamos descartando uma boa oportunidade pouco evidente. No entanto, seria ineficiente demais gastar o tempo necessário para ter a maior certeza possível de que cada tese que parece ruim realmente é ruim. O que queremos é investir nosso finito tempo estudando aquilo que parece mais promissor.

Ao mesmo tempo, temos a preocupação de ampliar nosso conhecimento sobre empresas e negócios ao longo dos anos. Às vezes encontramos empresas interessantes que estão um pouco caras, ou com um problema pontual que parece solúvel. Nesses casos, a tese pode não ser viável para investir de imediato, mas pode ser do nosso interesse aprender sobre o negócio mesmo assim, para sermos capazes de agir rápido caso se torne uma boa oportunidade no futuro.

Há uma boa dose de subjetividade nesse processo de triagem, suficiente para que a pura curiosidade intelectual tenha um papel relevante na definição de como alocamos nosso tempo. A profissão é parte prática, parte acadêmica. O pragmatismo de buscar eficiência no processo de análise convive com certa anarquia criativa, necessária para evoluirmos intelectualmente e desenvolvermos teses de investimento ainda não visíveis para todo o mercado.

No dia a dia, a implementação é mais prática do que parece. Cada um de nós tem liberdade para buscar ideias da maneira que quiser, até identificar uma oportunidade com uma hipótese razoável de que seja boa. Discutimos cada ideia em reuniões semanais e as que nos parecem promissoras seguem para a próxima etapa.

Análise intermediária

Cada segmento econômico tem uma dinâmica própria que buscamos entender antes julgar a empresa específica. A qualidade da categoria de negócios é tão relevante quanto a qualidade da empresa. Geralmente, empresas razoáveis em segmentos muito bons tem resultados melhores do que empresas ótimas em segmentos muito ruins.

A análise é em grande parte qualitativa, fundamentada nos princípios microeconômicos. Buscamos segmentos que atendem demandas importantes da sociedade que dificilmente diminuirão ao longo do tempo. Ambientes competitivos menos agressivos aumentam a chance de ter bons retornos. É desejável ter poder de precificação perante os clientes, para não sofrer com oscilações de custos que não puderam ser repassados. Negócios cíclicos não são necessariamente ruins, mas se os ciclos forem muito erráticos e amplos, pode ser um problema. Dependência regulatória é um risco, pois sabemos o quão imprevisíveis são as interferências políticas. Enfim, a lista do que pode ser pertinente avaliar é longa. As perguntas fundamentais que queremos responder são: o que faz um negócio ser bom e o que poderia arruiná-lo.

A dificuldade dessa fase de análise é ser eficiente no uso do tempo, abordando primeiro os fatores mais fáceis de analisar e que têm maior impacto para o negócio. Não há uma regra prática de como fazer isso. O processo é heurístico, que é o termo elegante para decisões rápidas tomadas quase instintivamente com base na experiência e conhecimento acumulados ao longo de anos analisando empresas.

Uma vez compreendida a lógica setorial, voltamos o olhar para a empresa e verificamos se os fundamentos básicos são atrativos. Queremos investir em negócios cronicamente rentáveis, que conseguiram sobreviver a crises macroeconômicas sem enormes dificuldades e que estão em boa posição competitiva no contexto do setor.

Se o negócio parecer bom, seguimos adiante para formar uma primeira opinião sobre seu valor intrínseco. Estimar com a melhor precisão possível quanto uma empresa vale é trabalhoso, mas ter uma noção grosseira da faixa de valores razoável é relativamente rápido e suficiente para julgarmos se o preço atual da ação tem uma boa chance de ser atrativo.

A compilação dessas análises qualitativas e quantitativas são apresentadas para discussão com toda a equipe de gestão e decidimos se faz sentido aprovar a tese para a última etapa, que envolve uma dedicação de tempo bem maior.

Análise detalhada

As teses que decidimos olhar detalhadamente já têm um nível de qualidade razoavelmente bom. O cenário em que o negócio seria bem-sucedido e geraria um ótimo retorno para o investimento costuma já estar claro, mas ainda não temos uma opinião bem formada sobre a probabilidade dele se materializar. Existe um viés de focar apenas no cenário desejado e buscar argumentos que reforcem que esse cenário faz sentido (confirmation bias). Isso é perigoso, pois não é a plausibilidade do cenário de sucesso que forma uma boa oportunidade de investimento, é a improbabilidade dos planos de sucesso da empresa serem frustrados por algum fator de risco.

Mapear e entender em profundidade os riscos inerentes ao negócio é a etapa mais complexa no processo de análise. Existe uma linha acadêmica que afirma que o risco do investimento em uma ação pode ser medido pela volatilidade de preço dessa ação no mercado, mas acreditamos que esse método é simplista e insuficiente. O risco de um negócio não é redutível a uma medida quantitativa simples, pois envolve todo o espectro de cenários futuros possíveis em que a empresa sofreria danos permanentes.

A preocupação com eficiência de processo, que existia até então, deixa de ser importante nessa etapa. O que queremos é minimizar o risco de erro, mesmo que isso implique em análises redundantes, divagações nos estudos e longas discussões filosóficas. Podemos passar meses estudando uma empresa até atingirmos o nível de conhecimento que julgamos adequado para tomar uma decisão, ou até chegarmos à conclusão de que esse nível adequado é inatingível para nós e desistirmos da oportunidade por reconhecer nossa ignorância.

Enquanto aprofundamos os estudos, buscamos identificar problemas na tese. Sempre há riscos e queremos evitar ao máximo que algum passe despercebido. Após o mapeamento, selecionamos os que podem ter impacto relevante no valor intrínseco da empresa e ponderamos sobre a probabilidade de materialização de cada um deles. O processo envolve várias análises, discussões e reflexões, até estabilizarmos um entendimento de se o nível de risco do negócio é tolerável ou não.

Também é crítico analisar em profundidade o ambiente competitivo no qual a empresa está inserida, com interesse especial nas vantagens competitivas que ela tem em comparação às demais empresas do setor e no quanto essas vantagens são sustentáveis (o famoso “moat”). Empresas em posição competitiva muito favorável têm uma vida mais fácil. Atraem os melhores profissionais, conseguem levantar capital mais barato no mercado e resistem à pressão em negociações com fornecedores e clientes. É exatamente isso que queremos: investir em empresas que não passarão por grandes dificuldades.

Em paralelo à análise qualitativa, trabalhamos para estimar o valor intrínseco do negócio (valuation), que passa por desenvolver modelos financeiros com projeções de fluxo de caixa, simular diversos cenários, identificar as variáveis que mais impactam os resultados e refinar o entendimento de como essas variáveis podem se comportar no futuro. Apesar dos cálculos serem exatos, o resultado desse processo está longe de ser preciso. Ao final, o que temos é uma faixa de valores futuros possíveis, distribuídos ao redor de uma média que usamos como referência de valor. A amplitude de variação ao redor do ponto médio também importa, pois o preço atrativo para nós é aquele que está abaixo dos valores futuros estimados para a grande maioria dos cenários simulados. A diferença entre esse preço atrativo e o ponto médio das estimativas de valor é o que chamamos de margem de segurança.

Em geral, toda a equipe de gestão acaba se envolvendo nas análises e discussões das teses que chegam a esta fase final. Talvez não fosse necessário, mas é quase inevitável. As teses mais interessantes naturalmente despertam mais curiosidade e a vontade de se envolver é reforçada pelo fato de que todos nós temos grande parte do nosso patrimônio pessoal investido em nossos fundos de ações.

Decisão de investimento

Terminado o ciclo de avaliações, há três perguntas que precisamos responder: i) gostaríamos de ter ações da empresa? ii) qual é o preço limite que estamos dispostos a pagar? iii) qual é o percentual do portfólio dos fundos que gostaríamos que a tese ocupasse?

A lógica básica para responder as duas primeiras perguntas é a mesma aplicável na compra de um produto qualquer. Se você quer comprar ou não depende quase exclusivamente de se o produto atinge sua exigência de qualidade mínima. O preço máximo depende do quanto você atribui de valor ao produto, em face à sua avaliação da qualidade. O que torna a decisão de investimento mais delicada é que a avaliação de qualidade e valor é bem mais trabalhosa, a quantidade de capital envolvida é alta e há milhares de outros investidores tentando tomar decisões melhores que as suas. Você só pode comprar o que alguém está vendendo e um dos lados está errado na avaliação de preço.

A definição do peso de cada tese no portfólio é um problema mais específico aos investimentos. Levamos em consideração três elementos: qual a relação entre ganho potencial e perda potencial de cada tese, qual é o valor absoluto de capital que estamos dispostos a expor aos riscos de cada empresa e qual é nosso grau de confiança de estarmos corretos na decisão de investimento. O princípio é maximizar a relação entre ganho potencial e perda potencial, mantendo a prudência no controle de riscos.

Nosso processo de decisão também envolve algumas formalidades que garantem a disciplina. Com as análises terminadas, realizarmos uma sessão longa de sabatina da tese. Nesse estágio, todos já estão bem-informados a respeito do negócio e já ocorreram várias discussões informais. Mesmo assim, vemos valor em reservar mais algumas horas de atenção exclusiva para uma revisão geral bem estruturada. Feito isso, escrevemos um memorando sintetizando as principais características do negócio, os riscos mais relevantes, visão sobre valuation e recomendação do que fazer. Toda a equipe lê o memorando e faz comentários. Quando necessário, realizamos mais sessões de discussão. Por fim, preparamos uma versão final do memorando com a decisão prática de investir ou não, a que preço e até qual percentual do portfólio.

Não somos adeptos de burocracia, mas nas etapas em que o custo do erro é muito alto, fixar protocolos ajuda a evitar a tendência da mente humana de ignorar detalhes quando a percepção geral é que está tudo bem. A prática de sintetizar por escrito o raciocínio completo também melhora a qualidade da decisão. Escrever potencializa a capacidade de raciocínio lógico, da mesma forma que fazer cálculos no papel amplia a sua capacidade matemática. Como um bônus, ter registros escritos do processo de análise e das decisões nos permite avaliar decisões passadas e buscar pontos de melhoria.

Acreditamos que boas decisões de investimento dependem de boas pessoas executando bons métodos. Mantemos o foco na qualidade das decisões, porque o retorno de cada tese, individualmente, é um parâmetro ruim para avaliar a competência de um investidor. Há teses racionais e prudentes que dão retorno negativo e há teses irresponsáveis que dão retornos excelentes, devido aos fatores aleatórios do mundo dos negócios. Porém, acreditamos que ter bons retornos em períodos longos depende mais de habilidade e disciplina do que de sorte.

Note que nosso método de seleção de ações é organizado de forma bastante simples. Ao longo dos anos vamos lapidando um ponto ou outro nas atividades diárias, mas não há grandes mistérios na atividade. Há vários objetivos na vida atingíveis através de métodos simples e bem conhecidos, se executados com grande disciplina. Gostamos de práticas assim: simples e que funcionam.

Confiram os comentários de Ivan Barboza, gestor do Ártica Long Term FIA, sobre a carta desse mês no YouTube ou no Spotify.

 

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