Como ficará o Brasil com Lula?

Caros investidores,

A disputa entre Bolsonaro e Lula deixou o país extremamente polarizado, com campanhas caracterizadas por muitos discursos sensacionalistas e poucas propostas de governo. Passado o calor da batalha, o que agora interessa saber é: com Lula eleito, como será o futuro do Brasil?

Quando avaliamos uma empresa, entender seu modelo de negócios, posicionamento no mercado e histórico de resultados são passos mais críticos do que avaliar quem é o CEO. De forma semelhante, o futuro do Brasil dependente muito da posição do país hoje – ponto de partida para o governo de Lula – e o cenário que ele deverá enfrentar ao longo de seu mandato. Assim, vamos falar mais do país que será governado do que de seu futuro governante.

Comentaremos como o Brasil pode ser impactado por três grandes temas que estão em evidência no cenário macroeconômico global: i) a inflação generalizada, efeito colateral das políticas adotadas durante a pandemia que foi amplificado pela alta do preço de commodities; ii) a crise geopolítica causada pela guerra da Ucrânia x Rússia; e iii) a crise energética gerada pelos embargos criados no contexto da guerra e pela política de descarbonização das matrizes energéticas.

Inflação Global

O mundo todo está com problemas de inflação agora porque todos os países foram atingidos pela pandemia e a maioria deles adotou linhas de ação muito parecidas. As principais medidas são bem conhecidas: lockdown e auxílios emergenciais. Ambas contribuíram para criar a inflação que está sendo combatida hoje.

A contribuição do lockdown veio através da desorganização de cadeias produtivas, que reduziu a oferta de vários produtos e, assim, estimulou altas de preço. Com a reabertura e reorganização das economias, feitas já há algum tempo, esse fator está em grande parte superado e deixou de ser uma causa central da inflação.

O segundo fator é mais difícil de reverter. Os auxílios emergenciais, adotando a nomenclatura brasileira para fazer referência também aos programas de mesma natureza que governos ao redor do mundo realizaram, foram majoritariamente financiados através de expansão das bases monetárias – ou seja, governos imprimindo dinheiro – um movimento que reduz o valor do dinheiro e, por isso, causa aumentos de preço generalizados (inflação). Esse efeito é inevitável, pois a criação de dinheiro novo não é acompanhada por criação de valor econômico real. Em um exemplo simplificado: se todos os governos do mundo duplicarem a quantidade de moeda em circulação, tudo passará a custar o dobro, pois haverá duas vezes mais dinheiro para representar os mesmos bens já existentes. Obviamente, manobras de bancos centrais não têm o poder de tornar o mundo mais rico.

Na prática, ao imprimir dinheiro e distribuí-lo sob a forma de auxílios emergenciais, os governos expropriaram capital de todos aqueles que investiam em ativos não corrigidos por índices de preços (títulos de renda fixa, principalmente), e distribuíram às populações economicamente mais vulneráveis – muito corretamente, em nossa visão, já que elas foram proibidas de trabalhar pelo próprio sustento durante o lockdown. Há uma sutileza neste arranjo: a perda de valor da moeda não é imediata. Ela vem através de uma onda de inflação que corrói o valor do dinheiro ao longo do tempo. É isso que o mundo está sofrendo hoje.

Juros altos, o remédio amargo

Para combater o problema da inflação, bancos centrais do mundo todo recorreram à clássica medida de aumentar os juros. A lógica dessa ação é que juros mais altos reduzem a atividade econômica, pois diminuem a disponibilidade de crédito para consumo ou para novos investimentos. Com isso, a demanda geral por produtos e serviços é reduzida e os preços tendem a cair. O problema é que juros altos são como a febre causada por nosso sistema imunológico para combater um vírus. Resolve o problema, mas só depois de nos deixar de cama alguns dias. Para controlar a inflação, será necessário manter os juros altos ainda por vários meses e, ao longo desse período, o crescimento econômico fica bastante prejudicado. É daí que vem o risco de recessão global do qual se tem falado.

Inflação e juros altos são temas bem conhecidos no Brasil. Devido à história de nossa economia, o Banco Central do Brasil tem bastante experiência em lidar com problemas de inflação e soube agir rápido. Aumentou a taxa de juros no Brasil cerca de um ano antes dos bancos centrais dos países desenvolvidos se convencerem de que essa medida seria realmente necessária. Também foi mais vigoroso na ação. Enquanto o Federal Reserve aumentou a taxa de juros americana de 0,25% ao ano, em março de 2022, para 3,25% atualmente, o Brasil partiu de uma taxa de 2,00% em março de 2021 para os atuais 13,75%.

Hoje o Brasil está, no jargão do mercado, “ahead of the curve”. Por termos iniciado o combate à inflação mais cedo e com mais vigor, já estamos muito mais próximos de ter a inflação sob controle do que Estados Unidos e Europa. O mercado conta com o início da redução de juros e a convergência da inflação para os patamares usuais (ao redor de 5%) já em 2023. Mesmo controlando a inflação mais cedo, o Brasil ainda sofrerá o impacto da desaceleração global da economia, mas temos dois atenuantes para esse efeito negativo. O primeiro é que o Brasil tem uma economia menos globalizada do que Estados Unidos e Europa. Nosso fluxo de comércio exterior representou 39% do PIB 2021, comparado a uma média global de 52% do PIB 2020. Isso não é exatamente bom, pois o Brasil poderia ter crescido mais no passado caso tivesse aberto mais seus mercados. Porém, nesse momento de crise global, nossa economia está menos exposta e deve sofrer menos. O segundo atenuante tem a ver com a crise geopolítica, que comentaremos a seguir.

A nova guerra fria

A guerra entre Ucrânia e Rússia foi iniciada em fevereiro de 2022, oito meses atrás. O embate militar ficou restrito ao território da Ucrânia, mas os efeitos da guerra foram muito além de suas fronteiras. O ocidente adotou a estratégia de não interferir militarmente com as forças da OTAN – o que traria um considerável risco de uma nova guerra mundial – mas se posicionou ao lado da Ucrânia, fornecendo armamento bélico, financiando seus custos na guerra e impondo sanções econômicas à Rússia.

A Rússia reagiu às sanções restringindo o fornecimento de commodities, especialmente petróleo e gás natural, para os países que apoiam a Ucrânia. O principal impacto dessa ação é a atual crise energética na Europa, que dependia de gás natural russo para manter seus sistemas de aquecimento e produção de energia elétrica. Voltaremos a esse tema em breve, mas antes vamos explorar uma tendência geopolítica mais ampla que a guerra intensificou.

Até alguns anos atrás, o mundo seguia uma tendência de globalização econômica. Vinham sendo criadas cadeias de suprimento e produção cada vez mais integradas, buscando o ideal de David Ricardo de aproveitar as vantagens de custo de cada país para atingir a maior eficiência econômica possível. Esse movimento começou a se reverter com os atritos comerciais entre a China e os Estados Unidos, então sob a presidência de Donald Trump. Agora, a guerra da Ucrânia parece ter convencido o restante do mundo que a globalização foi longe demais e é hora de dar alguns passos para trás.

A guerra tornou os riscos de economias muito integradas ainda mais concretos e visíveis para todos. A Alemanha de Angela Merkel decidiu tornar sua matriz energética bastante dependente da Rússia, que fornecia cerca de 55% do gás natural e 35% do petróleo importados pela Alemanha. A decisão não foi economicamente irracional. A Rússia tinha bons preços e capacidade suficiente para continuar o fornecimento por muito tempo. Porém, agora está custando caro ter ignorado o aspecto político envolvido: ter parte relevante da energia de seu país sob a caneta de Vladmir Putin. Curiosamente, esse risco foi apontado por Donald Trump em uma conferência da OTAN em 2018. Os políticos alemães julgaram como um extremismo injustificado de Trump e descartaram o assunto.

Há outros riscos relevantes do mesmo gênero que ainda não se tornaram problemas. Por exemplo, hoje Taiwan produz mais de 90% dos processadores de alta tecnologia (<10 nm) no mundo e entre 30 e 50% dos processadores em outras categorias. Isso explica, em boa parte, a tensão política envolvendo Taiwan e China, com a interferência dos Estados Unidos para que Taiwan permaneça um território independente.

O Brasil na desglobalização

Com o mundo mais atento aos riscos da dependência de outros países para o fornecimento de commodities e produtos críticos, esperamos ver ao longo dos próximos anos um movimento de descentralização das cadeias produtivas e redução das relações comerciais com países politicamente desalinhados. Esse movimento não é simples e pode demorar décadas, mas é uma tendência que pode causar impactos econômicos gigantescos.

A lógica por trás da descentralização das cadeias produtivas é bem conhecida no mundo dos negócios. Não é recomendável ter uma profunda dependência de um fornecedor, pois isso reduz demais seu poder de barganha e expõe o negócio a riscos de altas repentinas de preço ou descontinuidade de fornecimento.

Empresas têm esse cuidado mesmo podendo estabelecer contratos de longo prazo e recorrer a tribunais para que sejam cumpridos. Países não têm um tribunal global a quem recorrer para garantir o cumprimento de acordos, então deveria haver uma preocupação adicional em selecionar como parceiros os países com baixa probabilidade de se tornarem politicamente hostis, como a Rússia se tornou para o ocidente.

Em passos práticos, a expectativa é de que parte das cadeias produtivas dependentes hoje da China sejam transferidas para países mais próximos e politicamente mais alinhados com os Estados Unidos e a Europa Ocidental. Essa tendência tem sido chamada de friendly-shoring, em analogia à política de off-shoring que tornou a China o que ela é hoje.

O cenário atual traz uma oportunidade ímpar para o Brasil, que tem a sexta maior população do mundo, mão de obra barata, território extenso e abundantes recursos naturais. Além disso, é próximo dos Estados Unidos e da Europa Ocidental e bastante alinhado com a política ocidental. Desta forma, somos fortes candidatos a receber parte da demanda hoje atendida pela China, o que pode trazer uma onda de investimentos estrangeiros e impulsionar nosso desenvolvimento econômico.

Crise energética

Vamos voltar ao tema da falta de gás na Europa. A história começou com o plano de descarbonização da economia para combater o aquecimento global. Esse tema acabou misturando pautas científicas e políticas, mas, de maneira muito simplificada, a relação entre concentração de CO2 na atmosfera e o aumento da temperatura média na terra é conhecida há mais de um século. Inclusive, um artigo publicado em 1896 por Sven Arrhenius, ganhador do Nobel de química em 1903, estimava a relação entre aumento da concentração de CO2 e aumento da temperatura atmosférica com precisão razoável. Apesar disso, só nas últimas décadas foi organizada uma ação conjunta de vários países para lidar com o problema, cuja principal medida é diminuir a quantidade de CO2 emitida pela atividade econômica.

Nesse contexto, reduzir a emissão de CO2 na produção de energia elétrica foi uma das principais medidas planejadas. Com isso, a Europa foi desativando suas termoelétricas que utilizavam carvão e petróleo e as substituindo por termoelétricas a gás natural, que emitem cerca de 50% menos CO2 que o carvão e 40% menos CO2 que o petróleo para a mesma quantidade de energia elétrica produzida (emissões variam bastante em função da eficiência de cada termoelétrica). A Alemanha foi um dos países que mais se empenhou neste movimento e, por isso, está sofrendo bastante com os cortes no fornecimento de gás natural russo.

Apesar do problema com a Rússia, as principais economias do ocidente devem continuar o movimento de descarbonização da economia, com a meta de atingir a neutralidade em emissões de carbono até 2050. O plano é bastante ousado e passa por reduzir amplamente a utilização de combustíveis fósseis. Não vamos entrar na discussão de quão provável é que o objetivo seja cumprido, mas vamos comentar por que essa política de descarbonização favorece o Brasil.

Energia brasileira

Nosso país tem uma matriz de produção de energia elétrica bastante diferenciada em comparação com o restante do mundo. Em 2021, 67,4% da eletricidade mundial foi produzida a partir de combustíveis fósseis, A China produz um terço da energia elétrica global, 65,9% com combustíveis fósseis, sendo 63,2% com carvão. Em contraste, apenas 20,3% da energia elétrica brasileira vem de combustíveis fósseis, e só 3,7% de carvão.

Uma primeira vantagem da matriz de energia elétrica brasileira é sua menor exposição à variação de preço dos combustíveis fósseis no mercado. Com 77,4% de nossa eletricidade vindo de hidrelétricas e energias renováveis, dependemos mais do regime de chuvas e outros fatores climáticos.

Outra vantagem é que nossa energia é bastante limpa, especialmente em comparação com a China. Um kWh produzido na China emite, em média, 541 gramas de CO2 e um kWh produzido no Brasil emite 142 gramas de CO2, quantidade quase 4 vezes menor. Esse é um diferencial para atrair países que buscam a neutralidade de carbono. Deslocando demandas por atividades industriais com alto consumo de energia elétrica da China para o Brasil, poderiam reduzir 74% do CO2 emitido pela cadeia.

A oportunidade desta geração

Não é todos os dias que vemos o Brasil saindo de uma crise macroeconômica antes dos países desenvolvidos, em uma posição extremamente favorável para colher frutos de uma tendencia de migração de cadeias produtivas importantes e com uma matriz energética que agora passa a ser muito valorizada devido ao projeto de descarbonização da economia global. É uma oportunidade que não deveríamos deixar passar.

Não é necessário que nosso governo faça nada de genial para que o país seja beneficiado. Bastaria demonstrar ao mundo que será um governo sério e responsável, que busque facilitar o desenvolvimento de negócios no país e consciente de que financiar medidas populistas com irresponsabilidade fiscal é uma estratégia que cobra seu preço logo adiante e destrói as boas perspectivas econômicas. Em suma, uma estratégia de governo focada em não cometer grandes erros, ao invés de tentar realizar projetos mirabolantes, já seria um excelente começo.

O contrapeso dessa esperança é que o Brasil tem um infeliz histórico de desperdiçar boas oportunidades. Nossa população ainda possui pouca maturidade política e educação formal, o que, por vezes, gera grandes discussões públicas em torno de pautas de baixo impacto prático para o país, deixando de lado o que poderia realmente fazer diferença em nossas vidas. De toda maneira, o risco de desperdiçar uma boa oportunidade é sempre um cenário melhor do que não ter oportunidade nenhuma.

O que esperar de Lula

Agora com a vitória garantida, esperamos que Lula revele quem será indicado para ministro da Economia e dê mais transparência sobre seu plano de governo. O maior risco é que Lula acabe com o teto de gastos e volte às políticas de intervenções econômicas, conforme defendeu durante sua campanha, mas acreditamos que a configuração do novo Congresso Nacional e as alianças criadas para ganhar as eleições sejam freios relevantes para políticas nesta direção. Se não impedí-las completamente, deveriam ao menos postergá-las e torná-las mais amenas.

Aliás, com o Congresso Nacional de centro-direita e o presidente de esquerda, as negociações tendem a ser mais lentas e conflituosas, dificultando as ações do Executivo em geral. Por isso, é de se esperar que Lula adote uma postura mais voltada ao centro. Isto é, se não recorrer ao mesmo tipo de estratégia que utilizou no passado para garantir o apoio do Legislativo de forma mais “direta”.

No lado positivo, Lula tem uma boa imagem internacional, principalmente entre países europeus. Isso favorece o sucesso da agenda diplomática necessária para atrairmos investimentos estrangeiros e estabelecermos novos acordos de comércio internacional. Lula está especialmente bem posicionado para alavancar o discurso de que o Brasil tem uma economia limpa, ecoando com suas bandeiras de campanha.

Como ficam nossos investimentos

Apesar do ângulo macroeconômico que adotamos nesta carta, nossas decisões de investimento sempre dependem muito mais de análises feitas sobre cada tese de investimento em particular. Mesmo sem esse viés macro, acabamos investindo predominantemente em empresas que dependem mais do mercado interno brasileiro do que da economia global. Em parte, porque eram teses mais simples de analisar no cenário atual – o que torna nossas estimativas de resultados futuros mais assertivas – e, em parte, porque as empresas brasileiras exportadoras são, em sua maioria, vendedoras de commodities. Apesar do ciclo de alta de commodities causado pelas turbulências geopolíticas, a evolução de seus preços nos próximos anos é imprevisível e entendemos que o risco de queda é maior justamente quando os preços estão acima de sua média histórica. Com o cenário externo complicado, nos parece conveniente continuar com o portfólio mais dependente do mercado interno.

O preço das ações, como de costume, foi determinante nas decisões de investimento que tomamos neste ano. A bolsa brasileira se manteve barata ao longo do ano todo e aproveitamos essa boa temporada para, gradualmente, comprar mais ações de excelentes empresas a preços bastante descontados.

Dia 07/11 faremos uma live via Zoom comentando sobre a carta desse mês. Inscreva-se clicando aqui.

Gostaria de se inscrever para receber nossas próximas cartas?

Assine nossa Newsletter

pt_BR

Invista Conosco

Antes de sair, gostaria de se inscrever para receber nossas próximas cartas?