Case de investimento: Grupo Biotoscana


Caros investidores
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Para a carta desse mês, vamos compartilhar um case recente do Arcádia, que foi o investimento no Grupo Biotoscana (GBT).

A GBT foi um investimento relevante do portfólio desde meados de 2019 até nossa saída da posição em agosto de 2020, quando a empresa realizou uma oferta pública para fechamento do capital. Foi um investimento de pouco mais de um ano que apresentou uma valorização de 29%, comparado a 6-8% do Ibovespa no mesmo período.

Esse é um case interessante pois o dividimos em 2 fases com características de análise distintas. A primeira fase correspondeu ao período de entrada até outubro de 2019, quando foi anunciado oficialmente que o controle da empresa seria vendido. Nessa fase, a análise do investimento era mais focada nos fundamentos da empresa, similar às demais análises que realizamos. E a segunda fase correspondeu ao período de outubro de 2019 até nossa saída em agosto de 2020. Nessa segunda fase, o investimento tinha características de arbitragem.

A seguir, detalhamos o nosso processo de investimento na empresa, com ênfase na fase de arbitragem.

Contexto da empresa e investimento inicial:

O Grupo Biotoscana (GBT) realiza a comercialização de medicamentos de alta complexidade para tratar doenças como câncer, AIDS e Hepatite C. A empresa nasceu de um projeto de consolidação do setor na América Latina, promovido pelo fundo de private equity Advent. 4 empresas foram adquiridas para formar o grupo: Biotoscana (Colômbia, 2011), United Medical (Brasil, 2014), LKM (Argentina, 2015) e DOSA (Argentina, 2017).

Diferente de outras farmacêuticas, a GBT tem um modelo de negócios que requer poucos investimentos em P&D. Ao invés de desenvolver as drogas, a empresa compra licenças de comercialização de medicamentos de grupos farmacêuticos internacionais que não tem força de distribuição na América Latina. Uma vez compradas as licenças, a empresa fica responsável por conseguir as aprovações regulatórias necessárias para cada medicamento e por sua distribuição, comercialização e pós venda.

Se bem executado, o modelo de negócios da empresa permite retornos elevados, através da combinação da compra das licenças de boas moléculas a preços atrativos com a baixa necessidade de investimentos em pesquisa. Há, no entanto, dois problemas com o modelo. O primeiro é que a empresa é dona apenas da licença de comercialização da droga por um prazo específico, e não da droga em si. Por isso, a empresa corre sempre o risco de não renovação dos contratos de licenciamento por parte das farmacêuticas. O segundo é que o ciclo de adoção das moléculas pode ser bastante longo. Após a compra das moléculas, a empresa leva em média 1-2 anos para conseguir as aprovações regulatórias necessárias e mais 5-6 anos de maturação do produto até que ele seja amplamente adotado pelo mercado e atinja seu pico de vendas potencial. Portanto, é possível que a empresa realize investimentos que demoram anos até que seus resultados comecem a ser refletidos em seus demonstrativos financeiros.

Esses problemas convergiram para um péssimo retorno das ações nos dois primeiros anos após o IPO. A empresa realizou o IPO em 2017 com o preço da ação em R$ 26,50 e chegou a ser negociada próximo a R$ 7,00 em 2019, uma queda de 73%.

Os principais motivos que explicam essa queda foram: (1) o preço do IPO assumia a execução de um plano de negócios bastante desafiador; (2) em 2018, a GBT perdeu um contrato importante de medicamentos que representavam 15% das suas receitas (o contrato era com a Actelion e não foi renovado após a empresa ser adquirida pela Johnson & Johnson); (3) a Argentina (importante região de atuação da GBT) entrou em uma crise econômica, o que não ajudou nos resultados da empresa. A queda do preço da ação fez a empesa ficar desacreditada pelo mercado e, em nossa avaliação, proporcionou uma boa janela de entrada.

Gráfico 1 – Preço por ação da GBT e principais milestones (parte 1)



Nosso principal motivo para acreditar que ação havia ficado barata era que a GBT tinha um pipeline de moléculas recém lançadas com um enorme potencial de vendas, mas que ainda estavam na fase de amadurecimento e não tinham impacto significativo nos resultados da empresa. Era uma tese que demoraria mais tempo para se materializar, mas que acreditávamos ter uma ótima margem de segurança e, por isso, resolvemos realizar o investimento. Essa foi a fase 1 do case.

Análise no pós-aquisição:

Poucos meses após o investimento, foi anunciada a venda do controle da GBT para o grupo canadense Knight Therapeutics. Na verdade, já havíamos considerado essa hipótese nas discussões iniciais dado que M&As são bastante comuns no setor, e a Advent já estava completando 8 anos desde seu investimento inicial, então o prazo para seu desinvestimento estava próximo¹.

Em situações como essas, fica clara a necessidade de mudança do foco da análise. Ao invés de buscar entender os fundamentos e perspectivas do negócio, passa a ser mais importante entender as características da transação e seus impactos nos acionistas minoritários. Em especial, o problema passa a ser encontrar o preço justo da ação hoje dadas as seguintes variáveis: (1) a probabilidade de que a transação seja de fato concluída; (2) o preço da transação e, consequentemente, o preço que será pago a nós, acionistas minoritários e (3) o prazo para que tal pagamento seja realizado. Abaixo detalhamos cada uma dessas variáveis:

1. Probabilidade de fechamento da transação: Nesse ponto, o nosso background em M&A permitia um diferencial na análise. Em situações como essas, após o anúncio da transação, é comum que algumas condições precedentes tenham que ser realizadas até que a transação seja concluída. Condições precedentes comuns são:

a. Aprovação de órgãos anti-trust: Nesse caso, como a Knight não tinha presença na América Latina (região de atuação da GBT), a transação não precisava ser submetida aos órgãos anti-trust, eliminando esse risco potencial.

b. Obtenção de financiamento: Financiamento da transação pode ser um gargalo importante em alguns casos, mas não era um risco nesse. No anúncio da transação, foi dito que ela seria financiada com os recursos em caixa da própria Knight, e ao avaliar o balanço da empresa, vimos que ela tinha recursos mais que suficientes para concretizar a transação, mesmo em um cenário adverso, que foi o ocorrido com a crise do Covid-19.

c. Aprovação de stakeholders importantes da empresa: Esse ponto poderia ser crítico, pois a GBT tinha relações comerciais com diversas farmacêuticas que eram donas das drogas licenciadas pela empresa e elas provavelmente teriam que aprovar a venda. No entanto, pela nossa experiência, consideramos que dificilmente a GBT e Knight anunciariam a transação sem que tais aprovações não pudessem ser obtidas.

Além da transação ser concluída, também tínhamos que nos preocupar em garantir que nós, como acionistas minoritários, também seriamos beneficiados pela venda. Nesse caso, a proteção aos minoritários era garantida pelo estatuto social da GBT, que estabelecia o direito de tag along² aos acionistas minoritários nas mesmas condições dos acionistas controladores. Ou seja, em caso de venda de controle, o comprador teria que estender a oferta realizada aos acionistas controladores a todos os demais acionistas da empresa.

2. Preço pago aos minoritários: Foi proposto o valor de R$ 10,15 por ação, que seria corrigido pela taxa Selic até a data da conclusão do fechamento de capital³. Por sinal, valor bem próximo ao que estimávamos de forma conservadora como o valor intrínseco do negócio em nossas análises internas.

3. Prazo de pagamento: Quando ao prazo para pagamento, o histórico de transações similares no Brasil mostra que o prazo para fechamento de capital varia entre 8-12 meses após a conclusão da aquisição do controle. Sendo assim, esperávamos uma conclusão do negócio entre julho e novembro de 2020.

Resumindo os 3 pontos acima, tínhamos o cenário de uma transação com probabilidade muito alta de ser concretizada, com um pagamento praticamente garantido de R$ 10,15 / ação (corrigido pela Selic) em um período relativamente curto. Cabia a nós monitorar o preço da ação no mercado e determinar os melhores momentos para aumentar ou reduzir a posição.

Uma oportunidade de aumentar a posição apareceu em março de 2020, no período de maiores incertezas pela crise do Covid-19. Na época, a ação chegou a ser negociada a R$ 9,00 e víamos uma clara assimetria no mercado. Considerando o valor de R$ 10,40 que foi recebido em ago/2020, estávamos diante de uma oportunidade que possibilitava retorno de 16% em 5 meses, o que corresponde a um retorno anualizado de 41% ao ano. Isso comparado a uma taxa Selic de 4,25% na época. Fizemos um investimento significativo e a posição chegou a representar até 20% do portfólio.

Em pouco tempo, a distorção foi corrigida e a ação voltou a ser negociada próxima dos R$ 10,00, possibilitando um retorno rápido e com baixíssimo nível de risco ao Arcádia.

Gráfico 2 – Preço por ação da GBT e principais milestones (parte 2)



Resultado:

Conforme mencionado no início do texto, o investimento em GBT apresentou uma valorização de 29% comparado a 6-8% do Ibovespa no período.

Em nossa opinião, esse case traz duas lições importantes. A primeira é que o mercado pode reagir de forma exagerada a notícias ruins de uma empresa, a ponto de ela ficar desacreditada e possibilitar uma oportunidade de compra. A segunda é que, se bem analisadas e entendidas, situações de fechamento de capital podem proporcionar ótimas oportunidades de arbitragem que oferecem um nível de retorno interessante, com baixo nível de risco. No Arcádia, estamos sempre monitorando o mercado em busca de tais situações.

¹ Investimentos realizados por fundos de private equity tem prazo médio de 5 a 7 anos.

² Tag along é um mecanismo de proteção dos acionistas minoritários de uma empresa. Ele garante a tais acionistas, o direito de vender sua participação na empresa caso ela seja vendida para um terceiro.

³ No fato relevante que apresentou o fechamento de capital, a empresa apresentou duas opções aos minoritários. A primeira foi o preço fixo R$ 8,77 e parcelas variáveis pagas em 3 anos que poderiam chegar a um total de R$ 2,16, e a segunda com preço fixo de R$ 10,15 por ação. A segunda alternativa foi a que optamos e, para fins de simplificação, é nela que focamos no texto.

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