Breve história do sistema monetário


Caros investidores,

Dinheiro é algo tão cotidiano que pode passar despercebido quão engenhosa é sua natureza. Os sistemas monetários atuais são bastante complexos e, por consequência, pouco entendidos pela grande maioria das pessoas, mesmo entre investidores.

Nesta carta, trazemos um breve resumo de como o mundo chegou até o sistema monetário atual, com bancos centrais e regimes de câmbio flutuante, e algumas reflexões sobre quais as consequências desse sistema para nossos investimentos.

Já admitindo a estranheza do tema entre os assuntos que costumamos abordar, ele surgiu porque recentemente aprovamos uma tese de investimentos em uma empresa listada na bolsa de Londres. A necessidade de lidar com conversões de moedas e riscos de câmbio despertou nossa curiosidade para esta perspectiva histórica.

Breve história da moeda

Antes da existência de moedas, qualquer atividade comercial era feita através da troca de produtos: um cesto de pães por um pedaço de carne, um boi por duas ovelhas. Cada operação negociada individualmente e com duas grandes dificuldades: a primeira é que, se você tivesse apenas um boi para negociar, teria que encontrar alguém que tivesse o produto que você queria comprar e, ao mesmo tempo, quisesse um boi; a segunda é que você precisaria comprar um volume de produtos equivalente ao valor de um boi que, ao menos enquanto vivo, é uma unidade de valor indivisível.

A primeira evolução desse sistema desajeitado foi encontrar algum produto que fosse de interesse comum, fácil de armazenar e fácil de dividir nas quantidades necessárias a cada operação comercial. Vários materiais assumiram esse papel na antiguidade. No início do Império Romano, o sal foi usado como moeda de troca por certo tempo. Usado por todos como tempero e para conservar carnes e peixes, fácil de armazenar, divisível em qualquer quantidade e razoavelmente valioso na época, o sal cumpria todos os requisitos para servir de produto intermediário em atividades comerciais.

Ainda antes do início do calendário cristão, esses produtos intermediários começaram a ser substituídos pelos metais preciosos, em especial o ouro, que se tornou uma moeda de valor universal desde então. Uma série de características fizeram do ouro o material escolhido como moeda de troca universal. Ele é universalmente desejado e raro o suficiente para que pequenas quantidades representem um valor expressivo. É divisível em qualquer quantidade que se queira e eternamente durável. Apesar da possibilidade de criar ligas metálicas o misturando com outros metais, como uma forma de falsificação do que deveria ser ouro puro, métodos para testar sua pureza são conhecidos desde a antiguidade, como prova um conto sobre Arquimedes, famoso matemático da antiguidade.

No século III a.c., o rei grego Hiero II contratou um ourives para forjar uma coroa de ouro, fornecendo a ele todo o ouro necessário para criar a peça. Quando a coroa foi entregue, surgiram suspeitas de que o ourives havia roubado parte do ouro para si e o substituído por prata. A coroa pesava exatamente o mesmo que a barra de ouro dedicada à sua criação, mas a pureza do metal poderia estar comprometida.

Sem querer destruir a nova coroa para testar sua suspeita, o rei Hiero II pediu que Arquimedes encontrasse uma forma de testar a pureza do ouro sem danificar o objeto. Depois de semanas pensando sobre o problema, enquanto tomava banho em uma banheira, Arquimedes notou que o volume de água deslocado quando se entrava na banheira era igual ao volume do corpo do objeto imerso nela, independente do material que tal objeto fosse feito. Segundo a lenda, foi nesse momento ele entendeu que poderia usar esse princípio para resolver o problema do rei e, em seu entusiasmo, saiu despido pelas ruas gritando “Eureka!”, termo grego para “Descobri!”

O teste desenvolvido por Arquimedes é bastante simples. Tendo o ouro sua densidade cerca de duas vezes maior do que a da prata, um objeto de ouro puro tem volume menor do que se fosse feito de ouro e prata. Assim, Arquimedes colocou a coroa do rei Hiero II em um recipiente cheio d’água e mediu o volume de água deslocado. Depois, pegou uma barra de ouro puro com o mesmo peso da coroa, colocou em outro recipiente e fez a mesma medição do volume de água deslocado. Comparando as duas medições e vendo que a coroa havia deslocado mais água do que a barra de ouro puro, o crime foi provado e o ourives punido.


Essa história ilustra também quão antiga é a posição do ouro como símbolo de riqueza material. Curiosamente, até hoje o principal uso do ouro é na fabricação de joias e objetos de decoração. Seu valor permanece alto não porque existe algum uso industrial tão volumoso, mas porque ele continua sendo desejado pelas pessoas de todo o mundo. Notem que não é a condição de moeda que tornou o ouro valioso, mas ele se tornou um meio de reserva de valor justamente por já ser algo valioso antes. Algum instinto primordial o torna admirável e o associa à riqueza.

Até o século 18, moedas contendo quantidades pré-determinadas de metais preciosos continuaram sendo a principal forma de dinheiro usada para comércio cotidiano. A partir de então, gradualmente foram substituídas por papel moeda, cédulas impressas desprovidas de valor em si, mas que representam determinado valor e são amplamente aceitas. O dinheiro de papel ainda usado hoje segue esse mesmo conceito.

O padrão ouro

O papel moeda substituiu as moedas metálicas no cotidiano por questões práticas. A pureza dos metais precisava ser testada, a transferência de somas expressivas significava ter que transportar cargas pesadas do metal e havia a questão de segurança, tanto no transporte quanto na armazenagem das moedas metálicas.

A solução encontrada foi armazenar os metais preciosos em cofres bancários, especialmente construídos para esse fim, e substituir a circulação dos metais por cédulas emitidas pela instituição responsável por sua armazenagem. Cada cédula representava um determinado valor, e poderia ser convertida de volta em metais preciosos em espécie, geralmente ouro ou prata, mediante solicitação à instituição emissora das notas. No princípio, bancos privados chegaram a emitir moedas lastreadas em ouro com aceitação ampla no mercado. Mais tarde, os bancos centrais de cada nação passaram a atuar como emissores exclusivos de papel moeda, condição que mantém até hoje.

Inicialmente, os bancos centrais mantiveram como prática geral o lastro das moedas em ouro. Ou seja, garantiam a conversibilidade do papel moeda emitido por eles em ouro. Esse mecanismo, chamado de padrão ouro, tinha duas vantagens principais. A primeira era garantir que bancos centrais não poderiam emitir papel moeda indiscriminadamente para cobrir gastos públicos, impondo indiretamente disciplina fiscal aos governos. A segunda é que o ouro funcionava como uma moeda de troca internacional. Como as moedas dos principais países eram conversíveis em ouro a uma taxa fixa, as taxas de câmbio entre essas moedas também eram fixas. Nesse sistema, não era necessária confiança nos bancos centrais e os preços negociados nas importações e exportações eram, na prática, determinados em ouro.

Mesmo sob o padrão ouro, governos e bancos centrais cometiam excessos ocasionais, suspendendo a conversibilidade de seu papel moeda em momentos de déficit fiscal que fragilizavam a posição das reservas de ouro realmente disponíveis nos cofres dos bancos centrais. A prova de fogo veio durante a primeira guerra mundial, período em que vários países financiaram as despesas de guerra com moeda impressa sem o lastro em ouro adequado e suspenderam a conversibilidade de suas moedas unilateralmente. Como consequência inevitável, esse movimento causou forte alta da inflação.

As décadas subsequentes à primeira guerra foram marcadas pela instabilidade do sistema monetário internacional, com vários países oscilando entre a adoção e o abandono do padrão ouro. A emissão exagerada de moeda sem lastro causava crises de confiança nas moedas que, por sua vez, causava corridas bancárias em busca do direito de conversão de papel moeda em barras de ouro. Quando isso acontecia e os bancos centrais se encontravam sem reservas suficientes para satisfazer os saques de ouro em espécie, o direito de conversibilidade era suspendido, contribuindo mais ainda para a desconfiança em torno dos bancos centrais como guardiões do valor de suas moedas. Esse clima de instabilidade permaneceu até 1944, quando foi assinado o acordo de Bretton Woods.

Bretton Woods (1944-1973)

Os Estados Unidos, já tendo conquistado sua posição de potência mundial no pós-guerra e detentor de dois terços das reservas mundiais de ouro à época, liderou a negociação de um novo sistema monetário internacional para regular as relações comerciais entre 44 países. Sob esse acordo, o banco central de cada país deveria garantir a conversibilidade de suas moedas em dólares americanos a taxas fixas e o dólar seria conversível em ouro à taxa fixa de USD 35 por onça. Na prática, foi um retorno ao padrão ouro tendo o dólar americano como uma moeda intermediária, com os Estados Unidos na posição privilegiada de emissor da moeda que serviria como reserva de valor internacional.

A grande motivação por trás do acordo, que garantiu a aderência de diversos países e o sustentou por um período longo, era a compreensão de que um comércio internacional fluído era essencial para manter a paz mundial. Essa lição havia sido aprendida nas duas grandes guerras, ambas motivadas por conflitos econômicos amplificados por medidas protecionistas vistas como desleais pelos países impedidos de acessarem certos mercados. Por sua vez, para que existisse um comércio internacional dinâmico, era necessário um sistema organizado e estável de conversão entre diferentes moedas. O sistema monetário internacional criado pelo Acordo de Bretton Woods atingiu esse objetivo, oferecendo certa proteção contra manipulações do valor das moedas por parte dos bancos centrais, uma das ferramentas tradicionalmente utilizadas para manipular fluxos de exportações e importações.

O Acordo de Bretton Woods permaneceu em vigor por algumas décadas, mas começou a apresentar sinais de fraqueza ao final dos anos 60. No pós-guerra, os Estados Unidos mantiveram uma balança comercial continuamente deficitária, em grande parte devido a financiamentos aos países aliados e ações militares americanas ao redor do mundo. Para manter esse déficit, o banco central americano imprimia mais e mais dólares, apesar da obrigação de conversibilidade em ouro fixada pelo acordo de Bretton Woods. Em 1970, as reservas de ouro americanas eram suficientes para honrar a conversão de apenas 22% dos dólares em circulação no mundo, estimulando que a busca pela conversão de dólares em ouro se intensificasse. Como resposta a esse movimento, que tornaria a conversibilidade insustentável logo mais, em 1971, o presidente americano Richard Nixon anunciou unilateralmente o abandono do padrão ouro. A partir de então, o banco central americano não converteria mais dólares em ouro.

Regime de câmbio flutuante

Após o rompimento da conversibilidade em ouro pelos Estados Unidos, houve alguma tentativa de retomada a um sistema de câmbio fixo baseado no padrão ouro, mas não foram esforços bem-sucedidos. Em 1973, o Japão e países europeus decidiram adotar o regime de câmbio flutuante, em que o valor de suas moedas seria determinado livremente pela oferta e demanda. O fim do Acordo de Bretton Woods foi oficializado em 1976 e, nos anos seguintes, a maior parte das nações desenvolvidas adotou o regime de câmbio flutuante. O Brasil ainda demorou algum tempo até se adequar ao novo padrão. Adotou o câmbio flutuante apenas a partir de 1999.

A discussão de qual é o melhor sistema monetário não é trivial. No padrão ouro, a premissa fundante é que as reservas de ouro de todo o mundo estabeleceriam quanto de moeda está disponível para as atividades econômicas. Como o ouro é finito, se a economia mundial crescesse a um ritmo mais alto do que a expansão das reservas de ouro, o resultado seria deflação, pois teríamos uma maior quantidade de bens materiais produzidos pela economia global sendo representada pela mesma quantidade de ouro. Isso levaria a uma constante valorização do ouro, o que não faz sentido per se.

Cerca de metade do ouro existente no mundo hoje está em joias e objetos decorativos e cerca de um quarto em barras e moedas. Menos de um quinto está em reservas oficiais de valor. Se o ouro fosse constantemente valorizado não pelo valor atribuído ao metal em si, mas por seu uso como lastro de moedas, a consequência inevitável é que o valor do ouro, em algum momento, seria maior do que sua utilidade real para as pessoas e deixaríamos de usar o ouro para estes fins, passando a simplesmente armazená-lo em cofres de bancos centrais, para que barras e mais barras de ouro ficassem lá paradas, com todo o custo da segurança necessária para mantê-las seguras.

No regime de câmbio flutuante, a premissa é que o lastro de valor da moeda de um país é composto pelos ativos existentes em sua economia interna. Apesar de ser mais difícil de mensurar do que a quantidade de ouro nos cofres do Banco Central, faz sentido que a produção econômica de um país tenha valor per se, independentemente da quantidade de ouro que o país possua. O ponto é facilmente compreendido imaginando um país que tenha imensas reservas de petróleo, mas nada de ouro. Impossibilitar esse país de emitir moeda pela ausência de ouro em seus cofres é contra o senso comum.

Porém, permanece o problema de como determinar o valor da moeda emitida por um Banco Central que tem o poder de imprimir moeda indiscriminadamente. A solução desse regime é deixar a precificação a cargo do mercado. Da mesma forma que o preço de uma mercadoria qualquer é definida pelo equilíbrio momentâneo entre oferta e demanda, motivadas por qualquer fator que seja, o preço do câmbio também passa a ser definido da mesma forma. Indiretamente, o valor de uma moeda depende da robustez da economia de seu país, dos resultados de seu balanço de comércio internacional e das contas públicas de seu governo, já que os principais ativos mantidos em reservas de estrangeiros tipicamente são títulos públicos de renda fixa. Apesar de ser menos objetivo que o regime de câmbio fixo lastreado em ouro, esse modelo de precificação flutuante é o padrão no capitalismo.

Impacto do sistema sobre investimentos

O primeiro ponto de atenção a considerar é que em qualquer investimento internacional, haverá o risco de oscilação da taxa de câmbio. No curto prazo, a taxa pode oscilar sem qualquer justificativa derivada dos fundamentos. Um desbalanço momentâneo nas contas de comércio internacional, problemas em outras economias que exijam repatriação de recursos ou simplesmente movimentos especulativos em torno da moeda podem causar variações na taxa de câmbio. Com isso, há sempre certa aleatoriedade em torno do risco cambial.

No longo prazo, as moedas deveriam manter certa relação de paridade, com as taxas de câmbio variando em função da diferença de inflação em cada moeda. O conceito base é que a taxa de câmbio deve ser definida pelo poder de compra real das moedas, pois, se fosse possível comprar uma barra de ouro na moeda A e vender na moeda B e taxa de câmbio entre esse par possibilitasse a geração de lucro, isso representaria uma oportunidade de arbitragem que seria explorada por investidores até que o fluxo de conversão de moeda B em moeda A fosse suficiente para reequilibrar a taxa de câmbio para o ponto neutro. Com a inflação sendo a medida quantitativa de quanto cada moeda se desvaloriza, se a moeda A sofre inflação enquanto a B não, a taxa de câmbio precisa se alterar de modo que seja necessário mais da moeda A para comprar uma mesma quantidade de B.

Essa relação de paridade não resolve o problema de projeção de taxa de câmbio porque resta a tarefa de projetar os níveis de inflação para os dois países do par de moedas. A estimativa é difícil porque a inflação de cada país depende fortemente da quantidade de moeda emitida por seu Banco Central, que por sua vez, tem forte relação com o balanço fiscal do país (arrecadações do governo subtraídas de seus gastos). Como nós, brasileiros, bem sabemos, o nível de gastos de um país é muito influenciado por questões políticas difíceis de se prever.

Além da dificuldade nas projeções de inflação, taxas de câmbio podem passar anos fora do ponto de equilíbrio teórico determinado pela relação de paridade que considera os diferenciais de inflação, da mesma forma que uma ação pode passar anos com um preço distante de seu valor justo. Assim, investimentos no exterior adicionam uma camada extra de risco: além da oscilação do preço de um ativo, há a oscilação da taxa de câmbio. Com isso, o momento ideal de venda de um ativo no exterior pode não coincidir com o melhor momento para repatriar o capital, ou seja, converter o valor da venda em moeda estrangeira de volta para reais brasileiros.

A escolha que resta aos investidores é aceitar esse risco como um aumento da volatilidade de preço dos investimentos estrangeiros na moeda local ou realizar contratos de compra ou venda de câmbio na direção contrária do fluxo do investimento para neutralizar o efeito da oscilação da moeda (hedge), arranjo que, na prática, implica em pagar uma pequena taxa para se proteger contra a variação cambial.

Quando a tese de investimentos não tem relação nenhuma com a taxa de câmbio, geralmente a melhor opção é fazer a operação de hedge e inserir o custo extra na margem de segurança exigida no preço de compra. É o que faremos no caso de nosso investimento na Inglaterra, que mencionamos no início.

Confiram os comentários de Ivan Barboza, gestor do Ártica Long Term FIA, sobre a carta desse mês no YouTube ou no Spotify.

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