As falhas da mente humana

Caros investidores,

Ser um bom investidor não exige apenas conhecimento técnico e dedicação às análises de oportunidades, mas também um certo temperamento e controle psicológico que permitam manter a racionalidade em qualquer cenário que estivermos enfrentando.

Nessa linha, gostaríamos de explorar mais sobre um tema que mencionamos rapidamente em nossa última carta: vieses cognitivos. O assunto é bastante amplo, então selecionamos três vieses importantes à atividade de investimento para lhes apresentar desta vez e voltaremos ao assunto em cartas futuras. Falaremos dos vieses de: prova social, extrapolação e confirmação.

O que são vieses cognitivos

Nossos cérebros lidam com análises complexas de uma maneira interessante: elaboramos atalhos e modelos mentais que simplificam o raciocínio e nos permitem chegar a conclusões mais rapidamente. Este jeito de pensar, chamado de heurístico, é bastante eficiente. Além de evitar a imobilidade disfuncional que seria causada pela tentativa de analisar toda e qualquer situação em detalhes, ele nos leva a conclusões corretas na maior parte dos casos. No entanto, a heurística tem suas limitações.

Estas simplificações acontecem em nossa mente de maneira involuntária e inconsciente. Assim, nos pontos em que são falhas, elas nos conduzem a erros lógicos de maneira crônica. Estes padrões instintivos que nos conduzem repetidamente a conclusões erradas é o que chamamos de vieses cognitivos.

Para investidores, entender vieses cognitivos tem utilidade dupla: evitar falhas de racionalidade em nossas próprias decisões de investimento e diagnosticar quando movimentos de mercado são impulsionados por vieses presentes em uma certa situação.

A tarefa não é fácil. Dezenas de vieses já foram identificados e categorizados e, mesmo entendendo o mecanismo de ação de cada um deles, aplicá-los às situações reais não é sempre trivial. Há casos em que erros sutis tem consequenciais graves. Há casos em que diversos vieses agem simultaneamente e tornam a situação mais difícil de interpretar.

Por outro lado, o funcionamento da própria mente é um tema que desperta interesse na maioria das pessoas e estudá-lo sempre foi bastante prazeroso para nós. Esperamos que também seja para você.

Os três vieses que exploraremos nessa carta foram selecionados porque frequentemente influenciam investidores e porque são relativamente fáceis de entender, apesar do tema em si ser complicado por natureza. Vamos a eles.

Viés de prova social

Em uma série de experimentos conduzida na década de 1950 (Asch Conformity Experiments), pesquisadores formavam grupos de 8 pessoas e as submetiam a uma série de questões de múltipla escolha com respostas óbvias. Por exemplo, os participantes deveriam escolher qual de três barras desenhadas em um cartão era do mesmo tamanho que uma quarta barra, sendo que uma das barras era claramente maior e outra menor que a quarta barra. O detalhe interessante é que 7 entre os 8 participantes de cada grupo eram atores que respondiam antes da 8ª pessoa. Quando os 7 atores escolhiam todos a mesma resposta errada, a 8ª pessoa tinha 32% de chance de também escolher a resposta obviamente errada.

O viés é bastante simples: tendemos a agir da mesma forma que vemos as pessoas ao nosso redor agindo e acreditar no que a maioria diz acreditar. O impulso primitivo tem sua função de sobrevivência: se você vir uma multidão correndo em uma praça, provavelmente é melhor correr para o mesmo lado do que invocar seu espírito filosófico e decidir ficar para trás para investigar a razão da debandada.

O instinto é menos útil para tomar boas decisões de investimento e é um dos fatores que contribui para excessos do mercado tanto nas bolhas quanto nas crises. Nos ciclos de alta da bolsa, você enxerga outras pessoas investindo e ganhando dinheiro com as ações que não param de subir. Então, passa a se questionar se não deveria investir também, já que todos estão fazendo isso e você não quer ficar de fora. Em épocas de crise, é a mesma lógica aplicada no sentido inverso. Você vê todos saindo da bolsa e teme sofrer sozinho ficando para trás.

O viés de prova social é especialmente influente sobre quem está em dúvida. Isso torna investidores, que costumam ter mais dúvidas que certezas, especialmente influenciáveis e inclinados a buscar confirmação ou negação de suas próprias ideias nos atos de outras pessoas. Somado à esta tendência, há o fato de que expressar dúvidas publicamente pode ser visto como um sinal de fraqueza, fazendo com que as pessoas se manifestem com um tom de certeza muito maior que a confiança real que têm em suas afirmações. Quem está ouvindo se apoia nessa demonstração de certeza artificial, ganha alguma confiança e passa a repetir o mesmo conteúdo de forma também assertiva, e assim o efeito vai se propagando para grandes números de pessoas.

O ideal para um investidor é pensar de forma independente, tirando suas próprias conclusões com base em suas próprias análises. Porém, este é um princípio fácil de entender e difícil de praticar. Em grande parte, depende da personalidade de cada pessoa: nos experimentos que mencionamos, 25% dos participantes escolhiam sempre a resposta correta, sem se deixar levar pelas respostas erradas dos atores. Os 75% restantes, em pelo menos uma questão, escolheram a resposta obviamente errada.

Viés de extrapolação

A mente humana é hábil em raciocínios indutivos: reconhecemos padrões no mundo e assumimos que vão continuar se repetindo. É um jeito excelente de prever fenômenos simples e sujeitos a leis naturais constantes: uma pedra lançada ao ar vai sempre retornar ao chão, o cobre será sempre um bom condutor de eletricidade e o fogo vai sempre queimar nossas mãos. No entanto, o método indutivo é menos eficaz para prever o futuro de negócios, devido à complexidade e à quantidade de fatores variáveis envolvidos.

Apesar de ser inadequado em uma série de situações, inclusive em análises de investimentos, tendemos a continuar raciocinando de forma indutiva: achamos que uma empresa que vem crescendo rapidamente vai continuar crescendo na mesma velocidade, que o nível de rentabilidade de um negócio vai se manter constante e que uma ação que vem subindo deve continuar sua trajetória. É isto que chamamos de viés de extrapolação, um dos mais presentes no dia a dia de um investidor.

Notem que o problema deste viés não é que ele conduz com frequência a conclusões erradas, pois muitas vezes o futuro é de fato uma extrapolação do passado recente. O problema é a falta de confiabilidade do método indutivo, que é simplista demais e pode conduzir a erros que seriam evitáveis através de análises mais abrangentes. Em investimentos, o custo do erro costuma ser muito alto, então faz sentido empregar maior esforço para aumentar a confiabilidade de cada tese.

A recomendação para contrabalancear este viés é conduzir análises mais profundas, buscando entender os fatores que agem por trás de cada resultado: antes de julgar que uma empresa vai continuar crescendo rápido, vale entender por que o negócio cresceu neste ritmo no passado, quanto de espaço ainda há no mercado, como a concorrência tem se comportado, etc.

Mesmo com toda a diligência, prever o futuro será sempre uma tarefa difícil. É importante manter a consciência de que nem toda incerteza pode ser reduzida com mais análises. Há fatores que sempre serão imprevisíveis e a melhor abordagem é tratá-los como incógnitas, se mantendo ciente do risco que representam para o investimento.

Viés de confirmação

Outro sintoma de nossa natureza indutiva é que formulamos teses iniciais com base em nossas primeiras observações e, a partir de então, instintivamente passamos a dar maior atenção ao que corrobora as nossas primeiras hipóteses. Este comportamento é chamado de viés de confirmação e nos afeta de três formas: i) ao pesquisar sobre um tema, tendemos a buscar apenas informações que confirmam nossas crenças ou hipóteses pré-existentes e não procuramos evidências contrárias; ii) em análises, tendemos a dar maior valor aos dados favoráveis às nossas teses e ignorar os dados inconsistentes; e iii) memorizamos informações de maneira seletiva, nos lembrando mais facilmente daquilo que confirma o que queremos provar.

Todas as três formas geralmente se manifestam durante análises de investimento: um investidor simpatiza com uma empresa, passa a pesquisar mais motivos para considerá-la um bom investimento (e encontra vários, já que há sempre mais relatórios públicos falando bem de empresas do que as criticando), inconscientemente julga como mais relevantes os conjuntos de dados e análises que levam à conclusões positivas e memoriza com facilidade as principais ideias e informações que sustentam a tese de investimento.

O problema metodológico causado por este viés é tão contraintuitivo que, à primeira vista, pode passar despercebido na seguinte afirmação: uma hipótese é verdadeira quando há evidências que a confirmam.

A falha é ignorar possíveis evidências contrárias, que podem provar que a hipótese está errada. O antídoto parte de uma ideia simples, que foi uma das principais contribuições do método científico para a evolução do pensamento humano: devemos tentar invalidar a hipótese durante o processo empregado para verificar se ela está correta. As que resistem a esse teste de falseamento são as que provavelmente estão corretas.

O paralelo é imediato no contexto de investimentos: ao analisar oportunidades, o foco deve ser na busca por possíveis problemas na empresa e falhas no racional de investimentos. As teses que resistirem aos testes de falseamento são as que têm maior probabilidade de sucesso.

Há cura?

Cada pessoa tem maior ou menor propensão a sofrer determinados vieses, de acordo com seu temperamento e personalidade. Em nossa experiência, é possível aprender a identificar seus próprios vieses, perceber em quais situações eles exercem maior influência, e se treinar para contrabalanceá-los através de disciplina e rigidez metodológica. Porém, não há como eliminar por completo os vieses. Eles sempre estarão presentes e exigem atenção constante.

A quem interessar ler mais sobre o tema, recomendamos o livro Thinking Fast and Slow, de Daniel Kahneman, pesquisador pioneiro no campo da Economia Comportamental que cunhou o termo “viés cognitivo” e foi ganhador do Prêmio Nobel de economia por suas contribuições na área. Neste livro, ele diz que, mesmo depois de décadas estudando sobre o assunto, também não conseguiu eliminar completamente seus próprios vieses.

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