A Ruína do Bitcoin

Caros investidores,

O bitcoin atingiu seu preço máximo em novembro de 2021, cerca de USD 68 mil. Do pico até o dia 30 de junho, seu preço caiu em torno de 70%.

Sempre evitamos qualquer investimento em criptomoedas, mas o assunto se tornou tão presente no mercado financeiro que, quase involuntariamente, acompanhamos o desenrolar da história do bitcoin ao longo de vários anos. Imaginamos que você também acompanhou essa história em alguma medida, então vamos usá-la de pano de fundo para expor alguns conceitos fundantes de nossa filosofia de investimentos.  

O que define valor econômico

De maneira abstrata, o valor de um bem é o quanto uma pessoa julga haver de benefício em possuí-lo. De maneira prática, é o preço que essa pessoa está disposta a pagar por ele em moeda corrente. Note que a subjetividade desta definição é parte da nossa realidade econômica: o valor das coisas varia ao longo do tempo e em função das circunstâncias em que é feita a compra e venda. Porém, essa subjetividade não é a mesma para todos os bens. 

Há valores muito mais fáceis de compreender e prever do que outros. Você certamente tem uma boa noção de quanto vale seu carro. Se decidir vendê-lo, a faixa de preço que pode conseguir no mercado não é muito ampla. Esse cenário muda completamente se você tiver um quadro. Você pode conseguir, no mesmo mês e pelo mesmo quadro, propostas completamente diferentes. Ou descobrir que só você gosta dele e não conseguir proposta nenhuma.

Uma primeira implicação é que, se um dia seu vizinho decidir se mudar de país às pressas e colocar tudo à venda, é muito mais fácil você definir a qual preço vale a pena comprar o carro dele do que o preço que vale a pena pagar por seus quadros, se tiver a intenção de revender o que você comprar. 

Alguns fatores tornam o preço do carro mais estável e previsível: há um custo de produção que serve de limite inferior para o valor o carro, sua utilidade como meio de transporte é bastante objetiva e percebida de maneira semelhante por diferentes pessoas e há vários substitutos (outros meios de transporte) com os quais você poderia comparar seu carro para estimar um preço em bases relativas. 

Nenhum destes fatores está presente no bitcoin: o custo de produção é praticamente zero (o que tem algum custo é o processamento das transações, mas, mesmo assim, é bastante baixo), não há utilidade objetiva que seja consenso entre todos e não faz sentido tentar precificá-lo comparando com outros ativos. Desta maneira, sua precificação é extremamente subjetiva, impossibilitando qualquer tentativa de estimar a qual preço seria possível investir nele de maneira minimamente segura.

Ativos produtivos vs. não produtivos

Outro aspecto vital para selecionar ativos como investimentos é entender qual é o valor que você seria capaz de extrair deles se nunca mais pudesse vendê-los. No exemplo do carro, se você o usasse por décadas, até que ele não andasse mais, certamente não teria perdido o dinheiro que gastou para comprá-lo, já que ele lhe foi útil por todo esse tempo. No caso de investimentos em ações, se comprarmos por um preço atrativo ações de uma boa empresa que gera lucros e distribui dividendos, podemos ter um excelente retorno mesmo se nunca as vendermos.

Inclusive, a maior parte das empresas existentes não são listadas em bolsa e, mesmo assim, continuam tendo valor para seus proprietários. Isso prova uma obviedade: o valor de um negócio vem, principalmente, da sua capacidade de gerar renda para seus proprietários, e não do fato de existir uma cotação de preço diária para suas ações.

Assim, ao investir em um ativo produtivo, você só precisa garantir seu preço de compra tem alta chance de gerar um retorno atrativo, considerando suas expectativas sobre os lucros futuros que o ativo será capaz de gerar. O preço futuro do ativo tem importância relativa. Se esse preço nunca subir, você não poderá ganhar dinheiro revendendo seu investimento, mas continuará recebendo a renda que o ativo produz. Na prática, ativos produtivos e rentáveis dificilmente ficam mal precificados para sempre, então, seu “risco” é passar por alguns anos com seu ativo depreciado. Em prazos mais longos, é muito provável que tenha boas oportunidades para vendê-lo.

Essa realidade é bem diferente ao investir em ativos não produtivos. Sem a capacidade de gerar nenhuma renda, seu retorno depende exclusivamente do quanto outra pessoa estará disposta a pagar por seu ativo no futuro. Em adição este fator, que já representa um risco relevante, não há métodos objetivos para calcular o preço de um ativo não produtivo. Ou seja, a decisão sobre o preço futuro do ativo, que determinará seu retorno, será completamente subjetiva.

O bitcoin é um ativo não produtivo e sua precificação é subjetiva, dependendo unicamente da crença das pessoas de quanto ele valerá um dia. Assim, seu preço varia muito ao longo do tempo e depende mais da psicologia das massas de investidores do que de qualquer fator tangível. Com isso, investimentos em bitcoin (ou em qualquer outra criptomoeda) são altamente especulativos.

O ciclo da bolha

Há dois grandes problemas em investimentos especulativos. O principal é que, ao comprar um ativo a um preço que só seria justificável por um futuro muito mais glorioso que o passado, o risco de perda de capital é alto. Basta que o futuro não seja tão brilhante quanto o suposto. O segundo problema é que, quando o preço se distancia de avaliações objetivas e passa a depender da psicologia dos investidores, ele se torna extremamente volátil e tende a percorrer o ciclo de surgimento e estouro de uma bolha.

Já vivemos várias histórias de bolhas em investimentos e a dinâmica desse fenômeno sempre segue o mesmo arquétipo. Primeiro, surge um novo ativo com promessas de retornos excepcionais para aqueles que forem capazes de entender quão “revolucionária” é a novidade. A maior parte da população continua cética, mas os entusiastas investem e se tornam evangelizadores, com fé redobrada pelo interesse financeiro criado. Aos poucos, vão atraindo mais e mais investidores, que criam um ciclo de alta no preço do ativo. Neste momento, a impossibilidade de calcular objetivamente o valor do ativo se torna uma vantagem para o movimento alta, pois não há como defender um preço máximo. Depois de algum tempo vendo o preço do ativo subir, os céticos começam a se converter. Mesmo sem acreditar nos fundamentos, enxergam pessoas que foram “visionárias” ganhando dinheiro sem esforço e entra em jogo o medo de ficar para trás. Então, decidem investir algo, por vezes racionalizando que é quase como um seguro contra um possível arrependimento de ter sido um dos poucos que não investiu se os preços continuarem subindo. Enquanto novas pessoas decidirem fazer novos investimentos, independentemente de preço, o movimento de alta de preço continua.

Porém, esse movimento de alta depende de um fluxo contínuo de investimentos para se sustentar. Como o ativo não gera nenhuma renda para seus proprietários, esses investimentos têm que ser feitos com dinheiro externo e, inevitavelmente, um dia esse capital acaba. No final do ciclo, os que tinham alguma empatia pelo ativo já investiram e estão sem capital extra para continuar comprando, então não há mais ninguém para comprar.

No estouro da bolha, a dinâmica se inverte. Sem muitos compradores restantes, a pressão de venda começa a aumentar, o preço passa a cair e a queda afasta cada vez mais investidores. Não há meio de calcular qual é o valor mínimo que o ativo deveria ter, então os preços continuam caindo e novamente surge o medo de ficar pra trás, mas agora sob a forma de ser quem não vendeu logo e acabou perdendo sozinho. O movimento de baixa se retroalimenta e é difícil prever até onde continuará. Muitas vezes, o valor investido é reduzido a pó.

Investimentos anti-bolha

Para evitar o risco de perder dinheiro investindo em bolhas, basta seguir duas regras simples: não compre nada que você não saiba precificar e não pague caro naquilo que você precificou. Isso não garante que o investidor não possa perder dinheiro, mas evita grande parte dos casos em que a perda pode ser bastante grande.

A estratégia que seguimos no Ártica Long Term segue esta linha de pensamento. Compramos ações de boas empresas a preços bastante atrativos, de maneira que nossos retornos não dependem unicamente de o preço subir. Como exemplo, alguns de nossos investimentos mais antigos já nos distribuíram mais dividendos do que o valor que pagamos pelas ações compradas.

Investindo desta maneira, o risco está todo na chance de a empresa investida gerar resultados piores do que o esperado. A volatilidade do preço da ação em si é menos preocupante, pois, se o preço subir para muito além do que achamos que a ação vale, obviamente não é um problema. Basta vendermos. Se cair muito abaixo do que achamos que vale, podemos comprar mais ações e o retorno do investimento virá através dos dividendos gerados. 

Note que estaremos em uma posição muito diferente dos proprietários de ativos não produtivos, que dependem de dinheiro externo para continuar comprando, pois podemos usar os dividendos distribuídos pela própria empresa para aumentar nossa participação no negócio. Além disso, enquanto ativos não produtivos não tem um preço mínimo, ativos que geram caixa recorrentemente nunca virarão pó. Apesar de não haver um valor exato para seu preço mínimo, se a relação entre o preço e a capacidade de geração de caixa do negócio for diminuindo, chegará ao ponto em que investidores estarão dispostos a comprar mesmo em cenários de crise.

O método importa

Um conceito que adotamos desde os primórdios do Ártica Long Term, há 9 anos, é que devemos sempre investir com base em um método que gere, em média, bons resultados de longo prazo. É vital ter a clareza de que decisões tomadas de maneira racional e criteriosa podem gerar maus resultados, assim como decisões irresponsáveis podem, às vezes, gerar bons resultados. Assim, mantemos grande foco no processo de análise e seleção de investimentos, para continuarmos aplicando consistentemente os princípios que nos trouxeram bons retorno ao longo dos anos.

O investidor americano Joel Greenblat traz uma ideia muito similar, de maneira menos sutil: 

“Choosing individual stocks without any idea of what you’re looking for is like running through a dynamite factory with a burning match. You may live, but you’re still an idiot.”

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