A ameaça da inflação

Caros investidores

A inflação voltou à pauta de preocupações econômicas tanto no Brasil quanto no exterior. Apesar de ser um tema com o qual os brasileiros estão familiarizados, a maior parte das pessoas entende apenas o impacto que a inflação tem em sua vida cotidiana: alta generalizada de preços nos itens de consumo. No entanto, os investidores devem buscar um grau de compreensão mais profundo para compreender o impacto que a inflação pode causar em seus investimentos e desenhar estratégias de como preservar seu patrimônio em ambientes inflacionários.

Dedicaremos esta carta ao tema. Explicaremos os principais conceitos relacionados à inflação e discutiremos nossa visão sobre como conduzir os investimentos no cenário atual.

As causas da inflação

A causa primordial da inflação é a alteração na relação de oferta e demanda ligada a um bem ou serviço. Os preços sobem quando a oferta diminui ou a demanda aumenta. Tendo esta lógica como pano de fundo, há três situações que podemos interpretar como originadoras de inflação.

A primeira é a expansão da base monetária, que é o aumento da quantidade de moeda em circulação na economia real. Em suma, é quando o governo decide imprimir dinheiro. Isto causa inflação porque a moeda de um país representa os bens que existem em sua economia real. Assim, se a quantidade de dinheiro de repente dobrar, enquanto a quantidade de bens permanece a mesma, o preço de tudo deveria também ser duplicado.

A segunda causa é a redução repentina na oferta de um produto por problemas de fabricação, logística ou qualquer outra razão. Nesse cenário, os consumidores desse produto, vão competir pela quantidade reduzida disponível. Aqueles que tiverem maior capacidade financeira, ou atribuírem um valor maior ao produto, vão aceitar pagar mais caro para garantir o fornecimento, inflando o preço do mercado em geral.

A terceira causa é o aumento repentino da demanda, ligado a um evento com impacto em larga escala (e.g.: a demanda por álcool em gel no início da pandemia de COVID-19) ou pelo aquecimento da economia, em que vários negócios concorrentes ambicionam crescer e competem pelos mesmos fornecedores.

Compreendidas as fontes da inflação, o próximo passo é entender como a inflação de preços se espalha através da economia real.

Como a inflação se propaga

Por conveniência, a inflação costuma ser discutida como um percentual único, de forma análoga a taxa de juros, mas estas duas variáveis têm um comportamento muito diferente. No caso dos juros, o Banco Central divulga qual é a taxa básica que considerará em suas próprias negociações de títulos públicos, e todo o mercado rapidamente se ajusta em torno desta taxa. No caso da inflação, o percentual que temos em mente vem de pesquisas que medem a variação de preços de uma cesta de produtos e serviços. É uma medida mais imprecisa.

Para tornar mais claro o porquê da imprecisão, imagine que esse método de medir a inflação é análogo a espalharmos alguns termômetros dentro de um galpão e considerarmos que a temperatura em seu interior é a média das medidas de todos esses termômetros. Sem nada atípico acontecendo no galpão, essa é uma boa medida. Agora, imagine que uma fogueira é acesa no centro do local. Enquanto a lenha não acabar, os termômetros mais próximos da fogueira vão indicar temperaturas bem maiores do que os termômetros mais distantes. Vai levar algum tempo até que a fogueira se apague, a temperatura em todo galpão se torne homogênea e as medidas dos vários termômetros passem a ser todas próximas da nova “temperatura do galpão”.

Desta analogia, é importante levar dois conceitos: i) a inflação não se propaga instantaneamente; e ii) ela afeta diferentes segmentos da economia de forma diferentes. Pense nos diferentes segmentos como as diferentes localizações dentro do galpão. Em uma noite fria, você quer estar próximo da fogueira, e pouco lhe importa qual é a temperatura média do lugar. Enquanto a média pode indicar uma temperatura suportável, pode haver pessoas morrendo de frio nos cantos do galpão e outras muito confortáveis perto da fogueira.

Olhando para o mundo real, a guerra entre Rússia e Ucrânia subitamente diminuiu a oferta global de petróleo, pois a Rússia é uma grande produtora e sofreu embargos de todo o ocidente. Assim, o petróleo ficou mais caro, enquanto seus custos de produção continuaram iguais, ampliando os lucros dos demais produtores de petróleo, ou seja, esses foram os beneficiados da inflação de preço do petróleo. Já os negócios que consomem petróleo em larga escala ficam em uma posição diferente: eles podem ter poder de repassar preço a seus próprios clientes, preservando sua rentabilidade, ou podem ser obrigados a sacrificar rentabilidade para manter sua própria demanda. Porém, não há cenário em que os consumidores de produtos inflacionados são beneficiados.

Como regra geral, negócios que conseguem aumentar o preço do que vendem antes de sofrer pressão de seus fornecedores, e ver seus próprios custos aumentarem, são aqueles beneficiados pelo ambiente inflacionário. A chave é ter poder de precificação.

De onde vem a inflação atual

Estamos passando hoje por um ciclo inflacionário originado por dois grandes eventos. O primeiro deles foi a pandemia, que teve um efeito duplo. Ao mesmo tempo, desorganizou várias cadeias produtivas, reduzindo a oferta de vários produtos e serviços, e forçou governos ao redor do mundo (incluindo o brasileiro) a imprimir dinheiro para distribuir auxílios à população fragilizada pelo lockdown. O segundo foi o pacote de sanções econômicas que entrou em vigor devido à guerra entre Rússia e Ucrânia, que restringiu a circulação de várias commodities importantes, em particular o petróleo.

Nesse contexto, a inflação é inevitável. A expansão da base monetária, feita em volume relevante, não é um movimento facilmente reversível. As sanções até são reversíveis do ponto de vista teórico, mas guerras costumam se prolongar e o trauma dos países que dependiam mais da Rússia, e sofreram pela interrupção das relações comerciais com ela, causou um amplo movimento ao redor do mundo de “desglobalização”, cujos impactos são complexos de se analisar.

A desglobalização pode ter impactos inflacionários em alguns lugares do mundo e deflacionários em outros. Se um país que depende muito de importações decidir limitar o número de fornecedores com os quais quer se relacionar, o seu custo total de importações só pode aumentar. Assim, esse país deve aumentar a inflação em sua própria economia. Por outro lado, os países que dependem de exportações e podem ver seus antigos clientes se distanciando, manterão a capacidade produtiva e verão sua demanda diminuir, então seus produtos de exportação devem ter seus preços reduzidos.

É muito difícil analisar em detalhes como cada negócio sofrerá ou se beneficiará com a inflação ao longo do tempo. É como se houvesse fogueiras surgindo e se apagando aleatoriamente em nosso galpão imaginário, e tivéssemos que escolher o melhor lugar para dormir ao longo da noite fria. Assim, a melhor alternativa é focar na análise microeconômica de cada negócio e buscar entender quais negócios tem o poder de repassar preço.

O poder de precificação

Em essência, esse poder depende do quão essencial é o produto ou serviço oferecido e do quão insubstituível ele é. Por exemplo, a demanda por água potável é completamente inelástica. Todos nós morreríamos após alguns dias sem água e a demanda por ela é cumulativa (passar um dia sem beber água não diminui sua demanda total na semana, pois no dia seguinte seria necessário beber mais água que o normal para se hidratar). Assim, se houver escassez de água potável em um determinado local, quem tiver água teria um poder quase absoluto de precificação (até que o governo se aproprie dela em nome do bem coletivo). Não há como medir exatamente esse poder de precificação, mas é um ponto possível de analisar qualitativamente, veja os dois exemplos a seguir.

Sabemos que não há substituto viável para petróleo, e que muitos setores dependem completamente dele. Além disso, os estoques de petróleo são pequenos quando comparados ao volume recorrentemente consumido. Então, é difícil postergar muito o consumo de petróleo devido ao preço atual. É por isso que os produtores de petróleo têm um forte poder de precificação.

Por outro lado, um fabricante de roupas de grife poderia ser facilmente substituído por um fabricante de roupas de marcas mais baratas caso seus clientes tenham seu poder de consumo reduzido. Esse negócio estaria muito mais fragilizado em um ambiente inflacionário, e teria que escolher entre perder volume ou reduzir seus preços, sacrificando rentabilidade.

Como nada é tão simples em investimentos, nem todo negócio com poder de precificação será um bom investimento. Estamos dando atenção ao ponto devido à expectativa de inflação, mas continua sendo só um entre vários fatores que precisam ser analisados antes de qualquer investimento.

Alternativas avaliadas

Por este critério de poder de precificação, uma alternativa seria investir em empresas produtoras de commodities, que certamente nos protegeriam contra a inflação. Porém, os preços de commodities já estão bastante altos e, em muitos casos, o mercado já considera esses novos patamares de preço na avaliação das empresas produtoras commodities. Em outras palavras, muitas dessas ações não estão baratas. Não gostamos da ideia de investir em negócios assim quando estão no auge do ciclo de preço de seus produtos, pois há um risco relevante dos preços de commodities caírem no futuro e, nesse cenário, comprar estas ações agora poderiam ser maus investimentos. Assim, a proteção contra a inflação que negócios de commodities proporcionam compensaria apenas nos casos em que o preço das ações dessas empresas não estivesse inflado por expectativas otimistas do mercado. Não eliminamos a possibilidade de investir nesse tipo de negócio, mas os preços das empresas que avaliamos, por enquanto, não estão atrativos.

Também teríamos outros meios de evitar o risco de inflação. Poderíamos, por exemplo, alocar mais capital em renda fixa ou em fundos imobiliários (apesar do Ártica Long Term ser um fundo de ações, podemos alocar até 1/3 do fundo em outras classes de ativos). Assim, segue nossa visão sobre estas alternativas.

Renda fixa não nos parece uma boa ideia no momento. Em nossa carta anual de 2021, falamos sobre os ciclos de juros e o desempenho da bolsa. Em resumo, os momentos de juros altos são os melhores para comprar ações, e não para investir em renda fixa, pois é quando os preços de ações estão mais atrativos. A proteção contra a inflação também não é tão eficiente em renda fixa, mesmo nos títulos pós fixados ou híbridos (ajustados pelo IPCA), pois há o risco da imprecisão do indicador oficial da inflação. Alguns investidores de peso têm falado que “cash is trash”. Eles se referem ao risco de corrosão do valor real do dinheiro, ao qual estaríamos expostos se deixássemos mais dinheiro em renda fixa. Ou seja, o ideal agora é investir em ativos reais (incluindo ações).

Fundos imobiliários parecem baratos, em relação aos preços históricos e imóveis preservam seu valor em ambientes inflacionários, mas esses fundos ficaram atrativos principalmente pela alta dos juros, mesma razão pela qual as ações também estão baratas. Comparando o retorno potencial dessa alternativa com o das ações que já identificamos, as ações nos parecem ter retornos potenciais bastante maiores do que os fundos imobiliários, logo não haveria vantagem em alocarmos capital nessa classe de ativos neste momento.

Conclusão

Optamos por manter a estratégia de gradualmente ir alocando nosso caixa, que hoje está perto dos 10% do patrimônio do fundo, em bons negócios. Poder de precificação sempre foi um critério importante para nós, pois tem uma correlação forte com a qualidade e sustentabilidade dos negócios. Assim, boa parte de nossas empresas investidas deve continuar bem, mesmo sob inflação alta. Algumas delas estão expostas a um risco maior de perder demanda se a inflação for muito alta por um período longo, mas esse risco é em boa medida compensada por estamos comprando ações destes negócios a preços muito atrativos, com uma margem de segurança atipicamente alta.

Seguimos confiantes com nossas teses, e expressamos esta confiança com nosso próprio capital. Os sócios do Ártica e profissionais de nosso time de Asset Management estão entre as pessoas que mais investiram no Ártica Long Term FIA ao longo deste ano. Pretendemos continuar realizando novos aportes ao longo dos próximos meses, seguindo nossa tradicional estratégia de fracionar os aportes ao longo do período que entendemos como uma boa época para investir.

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